Ministério do Meio Ambiente pressiona empresas por solução para resíduos de produtos
Secretário do Meio Ambiente Urbano fala em decretos e parcerias com Ministério Público e Receita para melhorar logística reversa
São Paulo
O sistema de logística reversa brasileiro —que avança a passos lentos e é cercado de críticas— deve enfrentar, nos próximos meses, um aumento da cobrança por resultados de reciclagem efetivos, e a pressão sobre os responsáveis pelo cumprimento de metas vai subir.
O Ministério do Meio Ambiente (MMA) vem preparando uma série de novos decretos e portarias para detalhar as funções de cada agente no processo de destinação adequada do lixo. Segundo o secretário nacional de Meio Ambiente Urbano, Adalberto Maluf, a ideia é organizar os dados, coibir fraudes e identificar maquiagens de números.
“Muitas vezes, nem o CEO da empresa sabe [se sua meta de logística reversa está sendo cumprida]. Então, vamos colocar decreto para tudo. Vamos levantar a régua. Todo mundo vai ter que fazer”, diz Maluf.
O debate gira em torno da seguinte questão: de quem é a responsabilidade pela destinação ambientalmente adequada de um resíduo quando o consumidor compra uma embalagem descartável de xampu, descarta o celular de modelo antigo ou troca um pneu velho de seu carro?
Desde a aprovação da Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), em 2010, existe no país a obrigação de que fabricantes, importadores, distribuidores e comerciantes de diversos setores destinem adequadamente o lixo que a sociedade descarta depois de usar seus produtos.
“Não é só o dono da marca [do produto] que tem de cumprir meta de reciclagem. Quem fabrica a embalagem, quem envaza, quem vende, todos têm metas, que não são voluntárias”, diz Maluf.
“A lei brasileira fala de responsabilidade compartilhada entre fabricante, importador, distribuidor e comerciante. Os decretos vão explicar com clareza. No modelo europeu, está consagrada a responsabilidade estendida do produtor (REP), que é o dono da marca. Mas, no Brasil, essa responsabilidade é compartilhada até com o consumidor, que precisa levar o resíduo até o ponto de coleta”, explica.
Na avaliação do secretário, ainda é preciso melhorar os critérios dos relatórios de resultados produzidos pelas chamadas entidades gestoras, que representam as companhias na implementação da logística reversa, consolidam e divulgam os números da reciclagem de cada setor.
Segundo Maluf, há casos de entidades gestoras que declaram um determinado resultado de recuperação de resíduos para o ministério, mas apresentam dados discrepantes para o mercado.
O secretário afirma que já fez parcerias com o Ministério Público e com a Receita Federal e está concluindo acordos com as Receitas estaduais para cruzar dados de prestação de contas dos volumes de produtos vendidos com o total de resíduo recuperado.
Na prática, a logística reversa abrange um conjunto de medidas como a instalação de pontos de entrega voluntária (PEVs), a estruturação de cooperativas com centrais de triagem mecanizadas ou manuais, e outras iniciativas que incentivem o retorno do produto após o uso para as fábricas ou seu encaminhamento para a reciclagem.
Para funcionar, o processo exige o encadeamento das atribuições de diversos agentes, ou seja, o consumidor devolve uma embalagem de medicamento ao comerciante, e o distribuidor vai enviar ao fabricante ou importador, que dará a destinação adequada ao resíduo.
A PNRS de 2010 prevê, genericamente, que a logística reversa deve ser implementada pelos fabricantes, importadores, distribuidores e comerciantes, mas o detalhamento da implementação ao longo dos anos, nas principais indústrias, foi feito por meio negocial, ou seja, em contratos assinados por acordos setoriais e termos de compromissos. Tais instrumentos detalham forma de financiamento, obrigações de cada elo da cadeia de fornecimento, forma de participação dos consumidores e metas.
Para Adalberto Maluf, a assinatura de acordos setoriais e termos de compromisso foi útil no passado, enquanto os decretos são mais adequados ao momento atual.
“Lá em 2015 [quando foi assinado um grande acordo setorial da logística reversa que regulamenta o fluxo das embalagens], o setor privado não tinha maturidade. Em 2020, dez anos depois da PNRS, esses acordos se tornaram frágeis porque, se as empresas não cumprem, não tem como responsabilizá-las. Acordo setorial foi importante para dar maturidade à logística reversa, mas agora nós fizemos as nossas contas e vamos fazer decretos por tipo de material”, afirma.
Além da promessa de maior escrutínio pelo ministério, o mercado terá de se adaptar à virada da meta de recuperação de embalagens prevista no Planares (Plano Nacional de Resíduos Sólidos), instituído por decreto em 2022.
Neste ano, a meta obrigatória para a recuperação de embalagens pós-consumo salta de 22% para 30%, o que deve acelerar o aperfeiçoamento do sistema de logística reversa no país, segundo o advogado Fabricio Soler, da consultoria S2F Partners, especializada em resíduos.
“Será um ano importante para mensurar resultados, entender desafios e dar um direcionamento para reforçar os investimentos de estruturação da cadeia. Acredito que nos permitirá entender com mais clareza qual é o tamanho da reciclagem de embalagens no Brasil, os materiais que têm sido recuperados, as regiões com melhores índices e os próprios desafios, por exemplo, que levam a coletas menores em alguns estados”, afirma Soler.
Para Carlos Silva Filho, presidente da International Solid Waste Association (ISWA), os números estão muito distantes do potencial de riqueza que o país pode gerar a partir de seu lixo.
Até 2022, não tinha meta clara, e tudo era negociado em cada acordo. A partir do Planares, tem meta, e a primeira é em 2024. Só que o país continua com um universo limitado de empresas que o cumprem”, diz Filho.
Para ele, a discrepância entre os valores de logística reversa homologados pelo Ministério do Meio Ambiente e os números exibidos em muitos dos relatórios apresentados por empresas ao mercado mostra que o chamado greenwashing [falsas alegações sobre sustentabilidade e circularidade] superestima os resultados. “Se o Brasil gera aproximadamente 80 milhões de toneladas de resíduos sólidos urbanos por ano, e um terço disso são fração seca, como papel, papelão, plásticos e alumínio, o nosso potencial de aproveitamento desses resíduos seria 25 milhões de toneladas. Em dois anos, só foram certificados 2 milhões de toneladas, ou seja, muita gente não está fazendo nada nesse processo”, diz Silva Filho.
Fonte: Folha de São Paulo