Medidas em estudo pelo Congresso para bancar desoneração são insuficientes, dizem líderes
Renúncia com benefício a empresas e municípios soma R$ 26,3 bi, segundo Fazenda
Idiana Tomazelli Thaísa Oliveira
Brasília
As medidas alternativas sugeridas por parlamentares para compensar a desoneração da folha de empresas e municípios são insuficientes diante da renúncia estimada em R$ 26 bilhões, afirmam líderes do governo no Congresso Nacional.
O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), discute com lideranças um cardápio de propostas que inclui a repatriação de recursos no exterior (com recolhimento de Imposto de Renda), a atualização do valor de bens (como imóveis) na declaração do IR, a legalização de jogos de azar e um Refis para multas aplicadas por agências reguladoras.
A lista de Pacheco também inclui o uso do dinheiro esquecido no sistema financeiro e que ainda não foi resgatado pelos donos —um recurso privado que soma hoje R$ 8,15 bilhões, segundo o Banco Central— e o resgate de depósitos judiciais que estão sem indicação do titular do dinheiro.
Outros parlamentares defendem o emprego dos recursos arrecadados com a “taxa das blusinhas”, a cobrança de Imposto de Importação sobre compras internacionais de até US$ 50.
O presidente do Senado pretende conversar sobre as alternativas na reunião de líderes desta quinta-feira (13), mas representantes do governo veem com ceticismo a capacidade de arrecadação com essas iniciativas.
Cálculos da XP Investimentos também indicam a insuficiência das medidas. A instituição estima que quatro medidas (repatriação, resgate de depósitos judiciais, atualização de bens no IR e a “taxa das blusinhas”) renderiam R$ 9 bilhões.
O Ministério da Fazenda propôs inicialmente restringir o uso de créditos tributários do PIS/Cofins para abater tributos, o que elevaria a arrecadação federal em até R$ 29,2 bilhões. A MP (medida provisória), com vigência imediata, foi assinada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), mas enfrentou forte resistência do agronegócio e da indústria.
Nesta terça-feira (11), Pacheco anunciou a devolução de parte da MP, em derrota para a Fazenda.
Nesta quarta (12), o líder do governo no Congresso, senador Randolfe Rodrigues (sem partido-AP), disse que o valor da renúncia com a desoneração é significativo e que não é trivial encontrar uma proposta alternativa.
“R$ 26 bilhões é muita coisa. Por isso eu acho engraçado falarem de gasto, mas quem mais está gastando é aqui, essas duas pilastras do Congresso Nacional. Se levar em conta a conta que saiu daqui do ano passado para cá, dá mais de R$ 100 bilhões”, afirmou ele, incluindo na fatura os R$ 52 bilhões em emendas parlamentares, a desoneração da folha de empresas e municípios e a manutenção de parte dos benefícios do Perse, focado no setor de eventos.
Um integrante da equipe econômica também ressaltou as dificuldades para encontrar uma medida capaz de suprir um valor dessa magnitude em um curto espaço de tempo, até o fim de 2024. Segundo esse interlocutor, a compensação é uma questão matemática, não política.
O governo se vale da liminar concedida pelo ministro Cristiano Zanin, do STF (Supremo Tribunal Federal), para afirmar que, sem uma compensação, a desoneração de empresas e municípios não terá eficácia.
Em 17 de maio, essa liminar foi suspensa para dar tempo de Executivo e Legislativo negociarem alguma saída. O prazo de 60 dias começou a contar nesta terça, com a publicação da ata da decisão, e terminará em 11 de agosto.
Segundo integrantes da equipe econômica, a repatriação renderia cerca de R$ 1 bilhão, bem abaixo do necessário para compensar a renúncia de receitas. Já a “taxa das blusinhas”, recém-aprovada pelos parlamentares, também tem alcance limitado e não chega perto do valor exigido, na avaliação da Fazenda.
Os técnicos também veem restrições legais para elencar como compensação medidas de arrecadação já adotadas, como o limite ao uso de créditos judiciais para abater tributos —medida sancionada em maio por Lula e que deve render R$ 24 bilhões neste ano, segundo estimativa do governo.
O líder do governo no Senado, Jaques Wagner (PT-BA), afirmou a jornalistas que a Fazenda “aceita de bom grado todas as ideias”, mas disse que elas precisam chegar ao valor da desoneração.
Assim como nesta terça, quando Pacheco anunciou a devolução de parte da medida provisória, Wagner disse que os senadores são “devotos” da LRF (Lei de Responsabilidade Fiscal), “mas na hora de cumprir, ninguém quer”.
“A Fazenda não está resistindo [às ideias]. É que nenhuma delas cobre [a desoneração]. Nós estamos falando de R$ 20 bilhões. A repatriação não dá R$ 1 bilhão. Tudo que for saudável para a economia e para as contas públicas será bem-vindo”, disse.
“[Jogos de azar] Isso é o ovo no bumbum da galinha. Quando é que vai ter cassino nesse país? Vamos supor que aprovem agora. Vai ter cassino para convidar gente para entrar para pagar imposto quando?”
Dois líderes ouvidos pela reportagem afirmam que o Congresso será refratário a qualquer sugestão que leve a aumento de carga tributária. Um deles cobra a Fazenda e diz que não cabe só aos senadores pensar na solução.
O senador Oriovisto Guimarães (Podemos-PR) afirma que o Congresso espera que o governo comece a cortar gastos. Na visão dele, a repatriação, junto a outras propostas, poderia aliviar o caixa do governo neste ano.
“Toda medida compensatória que tenha benefícios para a sociedade e para o governo, o Congresso vai aprovar. Como repatriação e atualização de valores imobilizados. Não há problema nenhum em aprovar isso.”
Apesar da pressão do senador Davi Alcolumbre (União Brasil-AP) para aprovar o PL que legaliza cassinos, senadores avaliam que a proposta não deve avançar, diante da resistência de grupos evangélicos.
A votação do texto na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça), prevista para esta quarta, foi novamente adiada. Uma nova sessão está marcada para semana que vem, mas ainda não há perspectiva de votação em plenário.
A desoneração da folha das empresas foi criada em 2011, na gestão Dilma Rousseff (PT), e prorrogada sucessivas vezes. A medida permite o pagamento de alíquotas de 1% a 4,5% sobre a receita bruta, em vez de 20% sobre a folha de salários para a Previdência.
A desoneração vale para 17 setores da economia. Entre eles está o de comunicação, no qual se insere o Grupo Folha, empresa que edita a Folha. Também são contemplados os segmentos de calçados, call center, confecção e vestuário, construção civil, entre outros. Já a desoneração para municípios até 156 mil habitantes foi aprovada pelos parlamentares em 2023, vetada por Lula e reinstituída pelo Congresso a partir da derrubada do veto. O governo editou uma MP (medida provisória) para revogar o corte nas alíquotas para 8%, mas sofreu resistências e precisou fechar um acordo para manter a cobrança reduzida em 2024.
Fonte: Folha de São Paulo