Governo discute nova PEC com minirreforma do Judiciário para solucionar conflitos tributários

Proposta em debate com ministros de tribunais superiores cria foro nacional para IBS e CBS e uma ação direta no STJ

Idiana Tomazelli

Brasília

O governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) discute uma nova PEC (proposta de emenda à Constituição) para criar um foro nacional que concentre os julgamentos ligados à CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços) e ao IBS (Imposto sobre Bens e Serviços) após a implementação da reforma tributária.

A proposta também estabelece um novo tipo de ação, chamada de ADL (Ação Declaratória de Legalidade), para que atores legitimados pela Constituição Federal possam acionar diretamente o STJ (Superior Tribunal de Justiça) para fixar a interpretação jurídica sobre a aplicação dos novos tributos.

As medidas estão sendo elaboradas pela AGU (Advocacia-Geral da União) e pelo Ministério da Fazenda, em diálogo com o Judiciário e também estados e municípios.

Os ministros Jorge Messias (AGU) e Fernando Haddad (Fazenda) se reuniram nesta quinta-feira (14) com o presidente do STF, ministro Luís Roberto Barroso, e a PEC foi um dos temas abordados. A minuta foi obtida pela Folha.

O objetivo do governo é garantir uma consolidação mais célere da jurisprudência a respeito do IBS e da CBS e reduzir o risco de conflitos entre decisões de diferentes instâncias sobre uma mesma cobrança.

O governo também quer evitar a necessidade de poder público e empresas multiplicarem suas estruturas jurídicas para lidar com ações ligadas a tributos que serão recolhidos no local de consumo (destino) em vez de onde a empresa está sediada (origem), como é o modelo atual.

O assessor do advogado-geral da União para questões tributárias, Leonardo Alvim, afirma que a regulamentação da reforma tributária não depende necessariamente da PEC, mas sua eventual aprovação pelo Congresso poderia simplificar e facilitar uma série de processos no Judiciário.

Em um exemplo hipotético, se uma empresa de Fortaleza deixa de recolher CBS e IBS sobre um produto que foi enviado para a cidade de São Paulo há um impasse sobre quem vai executar a cobrança: a procuradoria do município, do estado ou da União.

Dessas, a que tem hoje a maior capilaridade é o órgão da União, mas o IBS é de competência de estados e municípios, o que pode gerar dúvida sobre a responsabilidade pela execução.

Além disso, a implementação da reforma pode criar uma situação em que as procuradorias regionais terão que ter atuação nacional para cobrar seus devedores, o que geraria sobreposição e multiplicação de estruturas.

“Antes tinha o procurador municipal cobrando da empresa [com sede] em São Paulo. Agora, vai ter o procurador municipal e o procurador do estado cobrando de todas as empresas do país inteiro que vendem coisas cujo destino é São Paulo. Isso pode trazer um monte de dificuldades, ou exigir uma série de convênios com procuradorias de outros estados, ou mesmo com a PGFN [Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional]”, diz Alvim, que integra o grupo de análise jurídica e a comissão de sistematização da reforma tributária.

Mesmo a cooperação entre diferentes órgãos gera insegurança. Como a arrecadação vai beneficiar os locais de destino, técnicos temem nos bastidores que, no futuro, isso desincentive procuradorias a atuarem umas em nome das outras.

Em outro exemplo, uma empresa de São Paulo que tenha recolhido imposto a mais em uma venda de mercadorias para uma cidade do Rio Grande do Sul precisaria deter uma estrutura para ingressar com a cobrança no estado gaúcho, o que também geraria custos adicionais para o setor privado.

Para atacar esses problemas, o texto da PEC prevê a criação de um ramo especializado na Justiça Federal para julgar as ações relativas aos novos tributos.

Posteriormente, uma lei trataria dos “órgãos judiciários especializados com competência sobre todo o território nacional” e da quantidade de desembargadores, juízes e servidores que passarão a compor essas unidades, tanto em primeira quanto em segunda instância.

De acordo com o texto, essa designação seria feita “sem prejuízo da vinculação funcional aos respectivos tribunais de origem”.

“Como a competência deste foro seria nacional, eu não precisaria ajuizar [a ação], de São Paulo, no TRF da 5ª região [com sede no Recife] e no da 6ª região [Belo Horizonte]. Ajuíza nesse único foro, que tem competência para o país todo para julgamento desses dois tributos. E vice-versa, o contribuinte também ajuíza de qualquer lugar do país.”

A proposta prevê a centralização de competência na Justiça Federal, mas Alvim afirma que há espaço de diálogo para incluir juízes estaduais, se for o caso.

A proposta também prevê a “possibilidade de criação de órgãos judiciários monocráticos e colegiados especializados para processar e julgar os demais tributos federais”, em uma medida que iria além do CBS e da IBS.

Um segundo problema é a questão temporal. Hoje, processos na Justiça Federal tendem a tramitar de forma mais célere do que nas varas estaduais, o que pode dar uma espécie de vantagem aos argumentos de empresas e procuradores colhidos na instância federal.

Segundo Alvim, um dos focos da criação da ADL é permitir que os agentes tenham um instrumento para recorrer rapidamente ao STJ e uniformizar os entendimentos sobre a aplicação dos tributos.

“Se [o julgamento relativo] a CBS estiver mais rápida e o IBS for um problema, pode o governador, por exemplo, ajuizar diretamente uma ação no STJ e já fixar qual é a interpretação, e o contribuinte ter mais previsibilidade de uma interpretação definitiva, sem ter que litigar em vários tribunais”, afirma o assessor do AGU.

O texto da PEC elenca como atores legitimados para protocolar uma ADL aqueles que hoje já podem protocolar ADIs (Ações Diretas de Inconstitucionalidade) ou ADCs (Ações Declaratórias de Constitucionalidade), além do advogado-geral da União, o procurador-geral da Fazenda Nacional, o presidente do comitê gestor do IBS e as associações de municípios de âmbito nacional. Mas a lista pode ser ampliada, caso seja necessário para avançar nas negociações.

As decisões definitivas de mérito proferidas pelo STJ nessas ações terão eficácia contra todos e efeito vinculante em todas as esferas.

Para protocolar a ação, será exigida a demonstração da existência de decisões conflitantes no âmbito do Poder Judiciário ou de manifestações em sentidos diversos de órgãos administrativos vinculados a diferentes entes.


ENTENDA A PROPOSTA

A reforma tributária unificou cinco tributos (PIS, Cofins, IPI, ICMS e ISS) em um IVA (Imposto sobre Valor Agregado) dual, composto por CBS (federal) e IBS (estadual e municipal).

Como a cobrança do tributo muda da origem (onde ocorre a produção ou as empresas estão sediadas) para o destino (onde ocorre o consumo do bem o serviço), há o risco de multiplicação de estruturas para lidar com as demandas judiciais, tanto nas empresas quanto no poder público.

Por isso, AGU e Ministério da Fazenda elaboram uma PEC, que tem dois pontos principais.

1) Criação de um foro nacional para ações envolvendo IBS e CBS

  • Delega a juízes federais, em primeira instância, e a desembargadores federais, em segunda instância, processar e julgar ações judiciais envolvendo os dois tributos
  • Autoriza lei a dispor sobre órgãos judiciários especializados com competência sobre todo o território nacional
  • Autoriza lei a dispor sobre quantidade de desembargadores, juízes e servidores que passarão a compor as unidades judiciárias especializadas, sem prejuízo de sua vinculação funcional aos respectivos tribunais de origem
  • Prevê estruturação da Justiça Federal para a assunção de tal competência, devendo sempre ser admitida a realização dos atos processuais em meio eletrônico
  • Permite criação de órgãos judiciários monocráticos e colegiados especializados para processar e julgar outros tributos federais

2) Criação da ADL (Ação Declaratória de Legalidade), a ser julgada pelo STJ

  • A Ação Declaratória de Legalidade (ou de Ilegalidade) terá como objeto ato normativo ou interpretação de lei federal relacionada à CBS ou ao IBS
  • As decisões definitivas de mérito proferidas pelo STJ produzirão eficácia contra todos e efeito vinculante

Podem propor a ADL: o presidente da República, as mesas do Senado Federal, da Câmara dos Deputados e das Assembleias Legislativas, governadores, o procurador-geral da República, o Conselho Federal da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), partidos políticos com representação no congresso, confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional, o advogado-geral da União, o procurador-geral da Fazenda Nacional, o presidente do Comitê Gestor do IBS e associações de municípios de âmbito nacional


Fonte: Folha de São Paulo

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