Lula assina MP para tributar fundos de super-ricos e envia projeto das offshores
Presidente sanciona proposta que criou nova política de valorização do salário mínimo e aumentou faixa de isenção do IRPF
Renato Machado
Brasília
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) assinou nesta segunda-feira (28) uma medida provisória para taxar rendimentos de fundos exclusivos, dos chamados \”super-ricos\”, e enviou um projeto de lei para tributar offshores.
As medidas foram tomadas para obter novas receitas e, segundo o governo, corrigir distorções na legislação. Parte dos recursos será usada para compensar a ampliação da faixa de isenção do Imposto de Renda.
Fundos exclusivos são investimentos milionários em aplicações como ações ou renda fixa. Já offshores são empresas abertas fora do país de residência, geralmente em paraísos fiscais, onde a tributação é reduzida ou nula, como as Ilhas Cayman. Ambos podem ser usados para evitar pagamentos de impostos.
A MP e o PL foram anunciados pelo governo durante cerimônia no Palácio do Planalto, quando Lula sancionou a nova tabela do IR e o salário mínimo de R$ 1.320.
A tributação dos fundos passa a valer imediatamente, uma vez que MPs têm força de lei e devem ser aprovadas em até 120 dias no Congresso para não perder a validade.
Além de a MP dos fundos exclusivos gerar recursos para cobrir a queda de receita com as mudança no IR, o governo Lula afirma que as novas regras têm o intuito de tornar o sistema tributário mais equitativo e transparente. Segundo o Ministério da Fazenda, a MP vai \”nivelar o campo de jogo entre diferentes formas de investimentos\”.
Durante o evento, o ministro Fernando Haddad (Fazenda) afirmou que as medidas buscam adequar o sistema tributário brasileiro ao de outros países mais desenvolvidos na área.
\”Muitas vezes eu vejo na imprensa isso ser tratado como ação Robin Hood, revanche, e não é nada disso. O que estamos levando à consideração do Congresso, com muita consideração e respeito, é aproximar nosso sistema tributário do que tem de mais avançado no mundo\”, afirmou.
Antes da MP, os fundos exclusivos tinham vantagens em relação a outros investimentos. O principal exemplo é que a tributação era feita apenas no resgate, enquanto os fundos em geral têm seu rendimento tributado duas vezes por ano.
Outra vantagem do investidor do fundo exclusivo era a de conseguir sacar os recursos sem que a ação fosse classificada como resgate (em caso de necessidade dos recursos aplicados, é possível fazer apenas uma amortização). Isso abre a possibilidade de driblar a tributação de forma contínua.
A MP, agora, prevê uma taxação de 15% a 20% sobre os rendimentos desses fundos duas vezes ao ano —cobrança conhecida no mercado financeiro como \”come-cotas\”.
A alíquota de 15% será aplicada independentemente da classificação do fundo e da composição da carteira, exceto para fundos de curto prazo, cujos títulos vencem em até 60 dias. Nesses casos, a alíquota será de 20%. Essas são as mesmas regras dos fundos abertos.
Além da taxação dos rendimentos, a MP determina que o IR será cobrado no momento do resgate ou venda das cotas que o investidor tem no fundo.
A taxação também ocorrerá quando for feita a amortização (nesse caso, transferência de patrimônio do fundo para o cotista) ou distribuição de rendimentos caso esses eventos ocorram antes da incidência da tributação periódica. Nesse caso, uma alíquota complementar será aplicada variando de 15% a 22,5% de acordo com o prazo da aplicação.
Segundo o governo, a MP tem potencial de arrecadar R$ 3,21 bilhões em 2023 e vai cobrir a maior isenção no IR após a tentativa anterior de compensação, voltada a offshores, ter sofrido resistência do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL).
Em 2024, a MP dos fundos tem previsão de chegar a R$ 13,28 bilhões em receitas. A expectativa é arrecadar outros R$ 3,51 bilhões em 2025 e R$ 3,86 bilhões em 2026.
A medida foi assinada com a presença do vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB), de Haddad, do ministro Luiz Marinho (Trabalho e Emprego) e líderes do Congresso Nacional.
Também compareceu o próprio Lira, com quem o governo vem negociando uma reforma ministerial e com quem houve o ruído justamente a respeito das offshores.
PL para rendimentos no exterior
Já o PL trata da tributação anual de rendimentos de capital de residentes no Brasil aplicados no exterior, o que inclui offshores e as chamadas trusts —estruturas criadas para gestão de patrimônio.
As alíquotas são progressivas e variam de 0% a 22,5%. O texto é similar ao que estava na MP que ampliou a isenção na tabela do IR, mas agora foi transformado em projeto de lei, em razão de resistência no Congresso.
De acordo com o governo, cerca de R$ 1 trilhão (equivalente a cerca de US$ 200 bilhões) em ativos pertencentes a pessoas físicas está posicionado no exterior.
O projeto foi enviado com urgência constitucional para a Câmara e tem potencial para arrecadar R$ 7,05 bilhões em 2024, R$ 6,75 bilhões em 2025 e R$ 7,13 bilhões em 2026.
O texto propõe criar um regime uniforme e mais simples, defende o Ministério da Fazenda. As aplicações financeiras efetuadas no exterior estarão sujeitas a uma única tabela e terão alíquotas progressivas conforme o rendimento.
A pessoa física com rendimento no exterior de até R$ 6.000 por ano pode ter alíquota zerada. Essa pode ser a situação das pessoas que têm contas bancárias estrangeiras para arcar com pequenas despesas, como em viagens internacionais.
Já o rendimento acima de R$ 6.000 até R$ 50 mil por ano ficará sujeito à tributação pela alíquota anual de 15%. Renda superior a R$ 50 mil terá alíquota de 22,5% (sendo essa a alíquota máxima de aplicações financeiras de curto prazo no Brasil).
A nova regra vale para resultados apurados a partir de 1º de janeiro de 2024. Até 31 de dezembro de 2023, os valores serão tributados somente no momento da efetiva disponibilização do rendimento para a pessoa física.
Nesse caso, os contribuintes terão a opção de atualizar seus bens e direitos no exterior para o valor de mercado em 31 de dezembro de 2023, tributando a diferença para o custo de aquisição pela alíquota definitiva de 10%.
O texto também introduz o conceito de tributação das trusts, algo não era tratado anteriormente na legislação brasileira. Essa modalidade é uma relação jurídica em que o dono do patrimônio passa os seus bens para uma terceira pessoa administrar.
O líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE), sinalizou que os percentuais a serem cobrados das offshores devem mudar durante a tramitação da proposta no Congresso Nacional. \”O projeto vai [para os parlamentares] e lá a gente negocia as alíquotas\”, afirmou brevemente.
A tributação das offshores já enfrentou grande resistência na Câmara. O governo tentou inclui-la na MP que tratava do reajuste do salário mínimo, mas a iniciativa sofreu revés e deputados ameaçaram não votar a pauta do mínimo —de grande interesse do governo.
Por isso houve recuo e o tema foi retomado em um projeto de lei com urgência constitucional (trancando a pauta da Casa em 45 dias), enviado agora pelo Executivo.
Fonte: Folha de São Paulo