‘Manter impostos para brasileiros e zerar para estrangeiros é suicídio econômico’, diz CEO da Multi

BRASÍLIA – Às vésperas de entrar em vigor o projeto do governo que isenta de impostos compras de até US$ 50 em sites internacionais, o CEO do Grupo Multi, Alexandre Ostrowiecki, defendeu que o tributo de importação cobrado dessas plataformas deve ser igual à soma dos impostos efetivamente pagos pelas empresas que atuam no País.
Em entrevista ao Estadão/Broadcast, Ostrowiecki disse que este é o caminho para garantir equilíbrio entre o varejo brasileiro e marketplaces internacionais. O Grupo Multi, antiga Multilaser, é uma empresa brasileira de capital aberto, fabricante de celulares, notebooks e outros eletroeletrônicos.
Pelas novas regras do governo, compras de até US$ 50 ou o equivalente em outra moeda serão isentas do Imposto de Importação desde que destinadas a pessoa física e que as empresas de e-commerce, nacionais ou estrangeiras, participem de programa Remessa Conforme, da Receita Federal, e recolham impostos estaduais incidentes sobre a importação. A isenção, que até então não valia para nenhuma empresa, agora vale para quem cumprir os pré-requisitos.
Para quem não aderir ao programa, as remessas postadas entre pessoas físicas de até US$ 50 continuam isentas, mas será cobrada alíquota de 60% do imposto federal quando a remessa for enviada por pessoa jurídica. As novas regras começam a vigorar a partir desta terça-feira, 1º.
De acordo com Ostrowiecki, zerar a alíquota de importação de produtos de até US$ 50 comercializados em sites internacionais mantendo a carga tributária atual sobre produtos de empresas brasileiras oficializa as “distorções econômicas” e representa uma ameaça ao mercado interno brasileiro. “Manter esses impostos exclusivamente para brasileiros, ao mesmo tempo em que zeramos impostos para plataformas internacionais, é suicídio econômico”, diz.
Veja os principais trechos da entrevista:
Nesta terça-feira, 1º, entra em vigor o plano de conformidade voltado a empresas de comércio eletrônico internacionais. Pelo programa, as compras de até US$ 50 ficarão isentas de imposto de importação desde que as empresas façam adesão ao programa de conformidade da Receita. Qual sua avaliação sobre a medida?
Empresas brasileiras que investem, fabricam e empregam no País sofrem tributação média de 40% sobre produtos de consumo. Manter esses impostos exclusivamente para brasileiros, ao mesmo tempo em que zeramos impostos para plataformas internacionais, é suicídio econômico. Não se trata de um problema gerado no governo atual e sim uma brecha fiscal descoberta desde o governo Temer. É essencial que todos tenham tributação igual, seja empresa no Brasil ou no exterior. Um produto de US$ 50 no exterior, com todos os impostos, ficaria por mais de R$ 700 no varejo brasileiro. Então, essa isenção a médio prazo causará a destruição da maior parte dos mercados formais de consumo no Brasil.
Hoje, é cobrado um imposto de importação de 60% sobre remessas enviadas de pessoas jurídicas para pessoas físicas. Quando foi questionado sobre uma nova alíquota, Haddad disse que isso seria feito em uma segunda etapa, com equilíbrio entre varejo e marketplaces. Mas não foram definidos prazos. Há pressa por parte do mercado nacional? Vocês estimam grandes impactos no curto prazo?
É crítico que o governo se apresse para resolver a questão. Imagine, por exemplo, que você precise comprar um pacote de meias. O pacote fabricado no Brasil tem 40% de imposto embutido no preço, encarecendo o produto. O pacote que vem do exterior paga zero. O consumidor vai optar pelo mais barato, o que é perfeitamente compreensível. Mas se essa distorção não for corrigida, a fábrica de meias vai fechar e todos os trabalhadores ficarão desempregados. A loja que revende as meias vai fechar e os vendedores ficarão desempregados. O restaurante ao lado da fábrica de meias, que atende os operários, vai fechar, e assim por diante. É uma inevitabilidade matemática.
Qual seria o equilíbrio entre varejo brasileiro e marketplaces internacionais, na sua avaliação?
Equilíbrio é garantir que o imposto de importação cobrado das plataformas seja exatamente igual à soma dos impostos efetivamente pagos pelas empresas que atuam no País. Todos pagando a mesma carga tributária e competindo de igual para igual pelo mercado.
O senhor tem dialogado com setores do governo e do Congresso. Há disposição dos poderes em atender as demandas do setor?
Acredito que exista muita disposição para o diálogo e entendimento de que os impostos deveriam ser iguais para todos, sem vantagens especificamente para envios do exterior. Isso ocorre tanto no Congresso quanto no Poder Executivo. O desafio é resolver a questão dentro de um prazo razoável e com medidas assertivas. Todas as plataformas deveriam ser livres para operar no Brasil desde que paguem o mesmo tributo que as empresas estabelecidas aqui. Nem um centavo a mais nem a menos.
Como avalia a política econômica que vem sendo implementada pelo ministro da Fazenda?
Acredito que o ministro Haddad tem sido uma voz a favor da moderação e responsabilidade fiscal dentro do governo atual. Sua atuação diante da reforma tributária foi positiva e acredito que aprovamos uma reforma que, ainda que seja longe de perfeita, melhora a estrutura de impostos no Brasil.
O que espera da tramitação da reforma tributária no Senado? Acredita que haverá mudanças em relação ao texto aprovado na Câmara? Quais?
Haverá enorme pressão de diferentes grupos de interesse para deixar esse ou aquele setor com regras especiais de tributação reduzida. Todo mundo vai pressionar para que seu setor receba uma espécie de “meia entrada” fiscal. Precisamos entender que o custo total do Estado brasileiro, infelizmente, não irá diminuir. Quanto mais setores tiverem reduções, maior terá que ser a alíquota média do IVA para bancar a conta. Provavelmente veremos nascer o maior IVA do planeta Terra. Espero que no Senado a lei não seja muito carregada com proteções nem particularidades.


Fonte: Estadão

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