Toffoli vota para derrubar tese da legítima defesa da honra em matéria penal
O ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal (STF), votou, nesta quinta-feira (29/6), para declarar a inconstitucionalidade da tese da legítima defesa da honra, instituto em geral utilizado para afastar a culpabilidade de homens em casos de feminicídio e violência contra a mulher.
O tema é objeto da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 779, proposta pelo Partido Democrático Trabalhista (PDT). A legenda afirmou que se trata de uma “nefasta, horrenda e lesahumanidade” tese, que implica na “instrumentalização da vida das mulheres ao arbítrio dos homens”.
O uso do argumento está proibido desde 2021 por ordem do próprio Supremo, por violar os princípios da dignidade da pessoa humana, da proteção à vida e da igualdade de gênero. Na ocasião, os ministros referendaram, por unanimidade, uma decisão liminar do ministro Dias Toffoli, relator da ação.
Na sessão desta quinta-feira, o ministro reiterou o exposto em sua decisão. Ele disse ser límpido que a tese da legítima defesa da honra não é tecnicamente legítima defesa e não encontra nenhum amparo ou ressonância no ordenamento jurídico.
“A chamada legítima defesa da honra corresponde, na realidade, a recurso argumentativo-retórico odioso, desumano e cruel utilizado pelas defesas de acusados de feminicídio ou agressões contra mulher para imputar às vítimas a causa de suas próprias mortes ou lesões, contribuindo imensamente para a naturalização e a perpetuação da cultura de violência contra as mulheres no Brasil.”
Toffoli também criticou a figura do Tribunal de Júri, onde, segundo ele, essas ideias reverberam. “Já passou da hora de se extinguir o instituto do Júri Popular. Esse instituto é que reproduz o machismo da sociedade dentro do seio do Poder Judiciário.” Um juiz togado dificilmente acolheria uma argumentação como essa, declarou.
O relator realizou um convite público à frente parlamentar feminina para que seja protocolada uma Proposta de Emenda à Constituição que extingua o Tribunal do Júri, “que eu não entendo como cláusula pétrea. O que é cláusula pétrea é o devido processo legal o direito à legítima defesa, o que cidadão tem no Poder Judiciário.”
Além da inconstitucionalidade, o ministro votou para excluir a legítima defesa da honra do âmbito do instituto da legítima defesa e, por consequência, proibir sua utilização, direta ou indiretamente, sob pena de nulidade do ato e do julgamento.
O julgamento foi interrompido devido ao horário e será retomado nesta sexta-feira (30/6), em sessão extraordinária.
Razões
Alessandra Lopes da Silva Pereira, da Advogacia Geral da União (AGU), defendeu que o argumento da legítima defesa da honra é um contrassenso, porque não existe agressão injusta à honra capaz de se sobrepor ao direito à vida e à integridade.
“Trata-se, como se vê, do emprego de lógica completamente descabida, que inverte os polos do processo penal e, de forma simbólica, inclui a vítima, reduzida à condição de objeto, no rol dos culpados. A vulneração à igualdade entre os gêneros, à dignidade da pessoa humana e ao direito à vida e à integridade da vítima salta aos olhos no presente caso”.
A tese é “repugnante” e isso é “inegável”, nas palavras da Thaise Mattar Assad, que falou pela Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas (Abracrim). Para ela, o Tribunal do Júri precisa ser aprimorado, “mas nós não podemos, em nome de um nobre sentimento de indignação, nos agarrar a soluções rápidas, desprovidas de técnica, que mitiguem a plenitude de defesa ou então criem nulidades não previstas em lei”.
A advogada pregou que impedir o acusado de se manifestar como queira, por mais absurdo que seja o discurso, viola o princípio da plenitude defesa. Assad disse haver outros meios para coibir a prática. Se houver excesso ou falta de ética por parte da advocacia, é o dever da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) averiguar. E se a tese for misógina, o réu pagará por isso, porque a sociedade cada vez mais rejeita esse tipo de argumentação.
Pela Associação Nacional da Advocacia Criminal (Anacrim), Victor Minervino Quintiere declarou que o melhor caminho para se trabalhar a questão é o Congresso Nacional, que inclusive debate o Projeto de Lei 2325/2021, sobre o assunto.
Já Eric Diniz Casemiro, da Associação Brasileira de Mulheres de Carreira Jurídica (ABCMJ), afirmou que a argumentação baseia-se na “concepção machista e patriarcal de que o valor da vida das mulheres é inferior à honra dos homens” e que ela perpetua “a violência, que é vista no máximo como um mal social, e não um crime”.
Arthur Guimarães – Repórter em São Paulo. Atua na cobertura política e jurídica do site do JOTA.
Fonte: JOTA