Reforma tributária prevê implementação do novo IVA a partir de 2026 e transição de oito anos
Migração gradual para ICMS e ISS busca acomodar benefícios fiscais; União vai bancar R$ 160 bi em oito anos para compensações
Idiana Tomazelli Victoria Azevedo
Brasília
A PEC (proposta de emenda à Constituição) da reforma tributária prevê a implementação do novo IVA (Imposto sobre Valor Adicional) a partir de 2026, mas a migração integral só acontecerá em 2033.
A transição mais longa, antecipada pela Folha, busca acomodar os benefícios fiscais já concedidos por estados e municípios e que têm manutenção garantida pelo Congresso Nacional até 2032.
Mesmo com essa saída, o governo federal vai injetar R$ 160 bilhões ao longo de oito anos para ajudar a compensar essa fatura, sem contar o FDR (Fundo de Desenvolvimento Regional), que terá R$ 40 bilhões anuais a partir de 2033. Os estados pedem um valor anual maior, de R$ 75 bilhões.
Haverá dois fundos, um para compensar os benefícios já concedidos e outro para servir de fonte de financiamento para as políticas de desenvolvimento regional. A ideia do governo, porém, é que a soma dois dois nunca ultrapasse os R$ 40 bilhões anuais.
A primeira versão do texto legal da proposta foi apresentada nesta quinta-feira (22) pelo relator, deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), mas ainda está longe de ser a versão final a ser votada em plenário. O próprio presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), reconheceu que há ainda pontos em negociação.
\”É um relatório preliminar. Vamos revisitar setores produtivos, prefeituras de grandes cidades, os governadores, ampliar o diálogo com ministro Fernando Haddad, com o presidente Lula\”, disse o coordenador do grupo de trabalho da reforma, deputado Reginaldo Lopes (PT-MG).
Apesar disso, Lira se comprometeu com a divulgação do texto em uma tentativa de \”garantir o tempo da crítica\”, isto é, um período para os parlamentares estudarem a proposta e apresentarem sugestões de mudança.
No Congresso, aliados do presidente da Câmara defendiam postergar a divulgação para a próxima semana para evitar que a PEC fique exposta por muito tempo antes de finalmente ir à votação, \”apanhando\” de diferentes setores. Mesmo assim, a promessa de divulgação foi mantida por Lira, que quer votar a proposta no plenário da Câmara até 7 de julho.
\”Estamos no momento mais propício para votar a reforma\”, disse Ribeiro, lembrando que houve momentos em que o debate foi \”interditado\”. Segundo ele, embora haja divergências entre governadores sobre pontos específicos da proposta, há um consenso geral de que aprovar a reforma é necessário.
\”A partir desse texto, vamos caminhar para o debate, [com] as críticas, e vamos construir isso tudo dentro do calendário que foi estabelecido pelo presidente Arthur\”, afirmou o relator.
Um dos pilares da proposta é a fusão de PIS, Cofins e IPI (tributos federais), ICMS (estadual) e ISS (municipal) em um IVA, que será chamado de IBS (Imposto sobre Bens e Serviços). O sistema será dual: significa que uma parcela da alíquota será administrada pelo governo federal, e a outra, por estados e municípios.
Também será criado um imposto seletivo, que não tem uma finalidade arrecadatória e é aplicado sobre bens e serviços cujo consumo o governo pretende desestimular (como cigarros e bebidas alcoólicas). Alguns parlamentares defendem aplicá-lo ainda para coibir atividades poluentes.
O texto não indica quais seriam as alíquotas definitivas de cada um dos novos impostos, o que será definido posteriormente em lei complementar e ainda vai depender de cálculos efetuados em conjunto com o Ministério da Fazenda.
\”Nunca tratei de alíquota porque estamos aguardando que ela vinha com fé de ofício, estimada pela Receita Federal\”, disse Ribeiro.
Até agora, sabe-se apenas que, em 2026, quando começa a transição, será aplicada uma alíquota de teste de 1% —cujo pagamento poderá ser abatido dos atuais PIS/Cofins.
No ano seguinte, haveria a implementação completa da CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços), parcela federal dentro do IBS, e a extinção do PIS/Cofins. As alíquotas do IPI também seriam zeradas, com exceção daquilo que impacta a Zona Franca de Manaus.
O relator prevê manter os impostos de estados e municípios inalterados até 2028. A partir de 2029, as alíquotas começariam a cair gradualmente, até que em 2033 o IVA estivesse completamente implementado no lugar de ICMS e ISS.
A cobrança do tributo será realizada onde ocorre o consumo (destino), em substituição ao modelo atual de incidência no local de produção (origem).
Além do sistema dual, o texto também prevê a fixação de uma alíquota padrão e de uma reduzida (equivalente a 50% da cobrança padrão) para setores específicos, como medicamentos, dispositivos médicos e serviços de saúde, serviços de educação, transporte público coletivo, produtos agropecuários, artigos da cesta básica e atividades artísticas e culturais nacionais.
Alguns medicamentos específicos, como os usados para tratamentos de câncer, e os livros serão isentos de cobrança do novo imposto. Haverá ainda redução de 100% da alíquota da CBS incidente sobre serviços de educação de ensino superior (ProUni).
\”Não estamos contemplando setores. No regime de IVA, não existe tratamento a setores. Existe tratamento a bens e serviços\”, disse Ribeiro.
O substitutivo também permite que produtores rurais que atuam como pessoas físicas e tenham receita anual de até R$ 2 milhões não recolham o IBS e a CBS. Segundo Ribeiro, isso contempla 98,5% dos produtores rurais pessoas físicas no país, algo relevante diante das resistências históricas do setor à proposta de reforma.
\”Estamos atendendo a um número bastante amplo. Tenho conversado com o agro, e essa equação de fato faz com que o agro esteja contemplado\”, afirmou.
O segmento de combustíveis e lubrificantes terá um tratamento específico, com alíquotas uniformes cobradas em uma única fase da cadeia e possibilidade de concessão de créditos para o contribuinte.
Atividades operações com bens imóveis, serviços financeiros, planos de assistência à saúde e concursos de prognósticos (como loterias) também receberão tratamento específico, com alterações nas alíquotas, nas regras de creditamento e na base de cálculo, além de possibilidade de tributação com base na receita ou no faturamento.
REGIMES TRIBUTÁRIOS FAVORECIDOS
O texto da PEC também mantém os benefícios fiscais da Zona Franca de Manaus, um dos pontos frequentes de apelo nas negociações com parlamentares.
O Simples Nacional, regime simplificado de recolhimento de tributos para micro e pequenas empresas, também será mantido, mas a ideia é permitir que as companhias tenham maior flexibilidade para aderir ou não ao novo sistema do IVA —o que pode ser vantajoso para quem fornece bens ou serviços para outras empresas, uma vez que elas poderiam obter créditos a partir dos insumos e abatê-los do imposto a ser recolhido.
NÃO CUMULATIVIDADE E CRÉDITOS TRIBUTÁRIOS
Segundo o relator, outros pilares importantes da reforma são a não cumulatividade plena e o aproveitamento amplo de créditos. Esses princípios significam, em resumo, que o contribuinte não vai mais pagar tributo sobre tributo e poderá aproveitar como créditos (para abater o valor a ser recolhido) tudo que tiver pago em impostos na aquisição de seus insumos.
Hoje, o uso de créditos tributários é um dos motivos de litígio entre os Fiscos e os contribuintes. Além disso, como os impostos são embutidos nos preços, o contribuinte acaba pagando mais do que o exposto nas alíquotas.
\”Se tem bem ou serviço de R$ 1.000 e alíquota é de 20%, equivalente a R$ 200, você teria que pagar R$ 1.200. Quem compra, diferentemente do sistema atual, já se credita ao vender e abate integralmente aquilo que ele pagou\”, explicou Ribeiro.
\”No sistema atual, a carga tributária faz parte do preço do produto, porque hoje você cobra por dentro. Imposto incide sobre imposto. Por isso tem alta cumulatividade e baixa transparência\”, afirmou.
TRANSIÇÃO FEDERATIVA
Para auxiliar na transição federativa, o secretário extraordinário da reforma tributária do Ministério da Fazenda, Bernard Appy, disse que o governo fechou sua proposta a partir do modelo proposto pelo relator.
O fundo para compensar os benefícios fiscais já concedidos teria um primeiro aporte em 2025, no montante de R$ 8 bilhões. O valor subiria gradualmente para R$ 16 bilhões em 2026, R$ 24 bilhões em 2027 e R$ 32 bilhões em 2028 e 2029. Depois, o valor começaria a cair a R$ 24 bilhões em 2030, R$ 16 bilhões em 2031 e R$ 8 bilhões em 2032, último ano de pagamento.
O FDR, por sua vez, começaria a receber recursos em 2029, com R$ 8 bilhões, com incremento de mais R$ 8 bilhões ao ano até chegar a R$ 40 bilhões em 2033.
Além da negociação dos fundos de compensação aos benefícios fiscais e para o desenvolvimento regional, a PEC prevê uma transição federativa entre os estados e municípios, para evitar quedas bruscas de receita por causa da migração da receita. Essa é a chamada \”transição invisível\”, que o contribuinte não perceberá no dia a dia, mas terá relevância para governadores e prefeitos.
A transição federativa deve durar 50 anos. Segundo Ribeiro, o texto inclui uma espécie de \”seguro\” contra prejuízos, equivalente a 3% do produto da arrecadação com o IVA.
O substitutivo também cria o Conselho Federativo do IBS, com gestão compartilhada por estados, Distrito Federal e municípios. O texto diz que o órgão será \”dotado de independência técnica, administrativa, orçamentária e financeira, com decisões tomadas a partir de votos distribuídos de forma paritária entre estados e DF, e municípios\”.
Há, porém, resistência entre alguns governadores, que querem manter a arrecadação do novo imposto de forma descentralizada. \”Vários governadores se posicionaram colocando que, neste tema, o estado não concorda. Estamos continuando essa discussão\”, disse Ribeiro.
O relator citou ainda outros pontos que seguem em aberto, como critérios de distribuição do FDR. \”É necessário que a gente esgote esse debate com governadores e secretários para ter um critério que não impeça a reforma de andar\”, afirmou.
TRIBUTAÇÃO DA RENDA E DO PATRIMÔNIO
Embora a PEC da reforma tributária tenha como foco principal os tributos sobre o consumo, o relator incluiu mudanças na cobrança de impostos estaduais e municipais sobre renda e patrimônio, de forma a torná-los mais progressivos e mais flexíveis.
Um dos trechos estende o IPVA (Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores) para veículos aquáticos (como iates e lanchas) e aéreos (como jatos particulares). A atual interpretação do STF (Supremo Tribunal Federal) é que o imposto apenas incide sobre veículos automotores terrestres.
O texto também permite que o imposto seja progressivo em razão do impacto ambiental do veículo.
Para o ITCMD (Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação), a recomendação do grupo é determinar que a cobrança seja progressiva em razão do valor da herança ou doação, permitindo uma carga maior sobre aquelas de alto valor.
O texto prevê que, em até 180 dias após a promulgação da proposta, o governo deve enviar ao Congresso a reforma da tributação da renda —algo que já está nos planos de Haddad. Pelo texto, eventual aumento da arrecadação decorrente disso poderá ser destinada à redução dos tributos sobre a folha de pagamentos e sobre o consumo.
Fonte: Folha de São Paulo