Após MP ‘caducar’, empresas podem ir à Justiça para garantir julgamentos no Carf

A volta do desempate pró-contribuinte, acarretada pelo fim do prazo para análise pelo Congresso da MP 1.160/2023, deve fazer com que contribuintes recorram ao Judiciário para incluir processos em pauta no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf). O movimento, segundo advogados, deve ser percebido a partir desta quinta-feira (1/6), data em que “caduca” a medida provisória que restabeleceu o voto de qualidade como único critério de desempate no tribunal administrativo.
O retorno do desempate pró-contribuinte, estabelecido pela Lei 13.988/2020 e vigente até o início de 2023, ocorrerá em meio à suspensão das sessões do Carf devido à mobilização dos auditores fiscais pela regulamentação do bônus de eficiência. Na avaliação de tributaristas, a saída seria recorrer à Justiça para garantir os julgamentos pela nova regra.
A opção pela via judicial tem relação com a “janela de oportunidade” aberta pela perda de vigência da MP. O cálculo feito pelos contribuintes é que não se sabe qual será a configuração final do Projeto de Lei (PL) 2834/2023, que tem teor semelhante ao da MP e que foi enviado pelo governo após acordo com o Congresso. A proposta tramita na Câmara dos Deputados em regime de urgência, ou seja, tem prazo de 45 dias para ser apreciada. Como o PL foi enviado no dia 5 de maio, passa a “trancar” a pauta a partir do dia 21/6.
Caso se confirme, o movimento para pedir a inclusão dos processos na pauta do Carf será oposto ao que vinham fazendo os contribuintes até o momento. Por pressão das empresas, o Ministério da Fazenda editou em abril a Portaria 139/2023, prevendo o aceite automático de pedidos de retirada de pauta durante a vigência da MP 1.160. Os julgamentos em abril e maio, após a vigência da portaria, tiveram a pauta esvaziada devido à retirada em massa de processos.
“Eu sei de contribuintes que pretendem ir a juízo para ter o julgamento do caso na regra antiga, isso se a greve [dos auditores fiscais] permanecer,” afirmou ao JOTA um tributarista de um grande escritório de advocacia. Segundo ele, o fundamento jurídico para pedir a análise dos processos em meio à paralisação dos auditores seria o artigo 24 da Lei 11.457/2007, que prevê que a decisão administrativa deve ocorrer no prazo máximo de 360 dias a contar do protocolo de petições, defesas ou recursos administrativos do contribuinte.
“A lógica é ingressar em juízo pedindo o julgamento, tendo em vista que já se passaram mais de 360 dias, e nem se falaria nada sobre a regra [de desempate] aplicável, pois, evidentemente, seria a regra vigente no momento do julgamento”, comentou.
O advogado Augusto Paludo, sócio da Covac Sociedade de Advogados, também vê o momento da perda de vigência da MP como “estratégico”. “A MP ‘caducando’, acredito que os contribuintes, que estavam brigando para que os processos não fossem pautados, vão aproveitar esse momento para colocar em pauta. Existem argumentos, pela demora no julgamento dos processos”, afirma. Paludo ressalta que, mesmo com a paralisação dos auditores fiscais, o Carf vem julgando alguns casos justamente por força de decisões judiciais. “Acho que esse é o cenário, de possíveis ações judiciais, todo mundo de olho para acelerar a inclusão em pauta, de forma a se proteger do que o Congresso pode aprontar”, aposta.
Segundo a advogada Anete Mair Maciel Medeiros, do Gaia Silva Gaede Advogados, há precedentes judiciais favoráveis aos contribuintes com a argumentação da razoável duração do processo administrativo. Nesses casos, diz, o instrumento utilizado é o mandado de segurança.
Para a advogada Maria Danielle Rezende de Toledo, sócia do Lira Advogados, a tentativa de acelerar o julgamento dos processos aproveitando o retorno do desempate pró-contribuinte é “viável”, principalmente no caso de contribuintes que têm processos no Carf envolvendo teses que tradicionalmente resultam em empate, como amortização de ágio interno.
“Pelo menos nos setores em que tenho maior autuação, que são automotivo e indústria química, ainda não vimos manifestações [de contribuintes] nesse sentido. No entanto, as grandes discussões nesses setores estão em classificação fiscal, um tema que não costuma ser decidido pelo voto de qualidade”, comenta.
Apesar do regime de urgência do PL 2.834, apuração do JOTA mostrou que cresceram as chances de o projeto de lei do voto de qualidade ser engavetado este ano. Além da resistência natural ao tema entre os parlamentares, o risco está relacionado às dificuldades de articulação política do governo e ao foco do Congresso em temas mais prementes, como a reforma tributária e o arcabouço fiscal. Por isso, o governo já trabalharia com um cenário de retomada das discussões sobre o assunto no ano que vem.
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Decreto legislativo
Com a perda de vigência iminente da MP 1.160, a Constituição Federal prevê a possibilidade de edição de um decreto legislativo regulamentando os efeitos da medida provisória enquanto teve eficácia. Para tributaristas, a edição do decreto seria importante para trazer maior segurança jurídica aos contribuintes. No entanto, eles reconhecem que é raro o Congresso Nacional utilizar a prerrogativa, prevista no artigo 62 da Constituição.
A previsão constitucional é que o decreto legislativo seja editado em até 60 dias após a rejeição ou perda de eficácia da MP. Caso não seja publicado, conforme o parágrafo 11, artigo 62 da Constituição, “as relações jurídicas constituídas e decorrentes dos atos praticados durante sua vigência conservar-se-ão por ela regidas”.
Segundo a advogada Maria Danielle Rezende de Toledo, um eventual decreto legislativo regulando os efeitos da MP 1.160 poderia versar sobre a aplicação ou não do voto de qualidade aos casos julgados no Carf durante sua vigência.
Porém, a advogada acha improvável que o Congresso faça uma modificação retroativa no critério de desempate. Ela considera “mais sensível” a discussão sobre o limite para que os contribuintes possam protocolar recursos no Carf, elevado de 60 para mil salários mínimos pela MP 1.160. “Me parece mais sensível essa situação dos valores [para recorrer ao Carf]. Os recursos que não foram admitidos durante a vigência da MP poderão ser admitidos agora?”, questiona.
Movimento dos auditores
Além dos contribuintes, o critério de desempate no Carf é uma questão sensível para os auditores fiscais. Embora o tema não esteja oficialmente na pauta de reivindicações da categoria, um dirigente do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal (Sindifisco Nacional) admitiu que o retorno do desempate pró-contribuinte desagrada o grupo.
Questionado se a volta do critério mais favorável às empresas teria alguma influência no movimento, o representante do Sindifisco afirmou que os auditores pretendem atuar no Congresso pela aprovação do PL 2.834, que restabelece o voto de qualidade.
Ele ainda admitiu que conselheiros fazendários do Carf falam em entregar o mandato caso o governo seja derrotado nesta pauta, mas o fenômeno seria “pontual”. “As reivindicações de natureza mais corporativa da categoria, muitas vezes, se aproximam de pautas que têm a ver com a própria preservação institucional da Receita. Esses conselheiros do Carf ameaçando renunciar ao mandato, não se tornou um movimento coletivo, mas é o retrato de uma indignação diante da impossibilidade de fazer com que as decisões [do Carf] valham”, declarou.
O dirigente afirmou ainda que a intenção da categoria é continuar mobilizada até a regulamentação do bônus de eficiência. Segundo o Sindifisco, em reunião na semana passada, o Ministério da Gestão e Inovação em Serviços Públicos condicionou a regulamentação do bônus à aprovação do arcabouço fiscal, que ainda precisa ser votado pelo Senado Federal.
Mariana Branco – Repórter especializada em Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf).


Fonte: JOTA

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