Mercadante vê TLP e dividendos pressionando competitividade do BNDES

A parcela fixa da TLP, a taxa de juros de referência do BNDES, atingiu em março o pico histórico de 6,15% ao ano. A esse indicador se soma a inflação, que apesar da queda no último ano, segue em patamares elevados, deixando ainda mais caro o financiamento do banco estatal, voltado principalmente para os investimentos das empresas.
O custo elevado da TLP está colocando o BNDES em uma situação de perda de competitividade e desvantagem inclusive em relação a outros bancos, segundo disseram ao JOTA o presidente da instituição, Aloizio Mercadante, e o diretor financeiro, Alexandre Abreu. A isso eles adicionam outros fatores, como o elevado pagamento de dividendos nos últimos anos e as devoluções de empréstimos ao Tesouro, que se encerram em 2023.
Mercadante quer reduzir os repasses de dividendos para 25%, o mínimo exigido das empresas públicas pela legislação vigente. Será uma negociação dura, porque o Ministério da Fazenda, comando por Fernando Haddad, está ansioso por receitas para derrubar o déficit previsto no orçamento. A manutenção de uma distribuição de 60% do lucro de R$ 41,7 bilhões de 2022 significa R$ 14 bilhões a mais para os cofres do Tesouro neste ano, que tem como espelho uma perda de recursos próprios do banco da mesma proporção.
O presidente da instituição de fomento trabalha com uma meta de dobrar os desembolsos do banco, em média 1% do PIB nos últimos anos, para 2% do PIB em 2026, número alinhando com a média histórica praticada até 2007. O comando do banco, porém, admite que a liberação de empréstimos em 2023 pode até diminuir ante 2022 se nada for feito para mudar os fatores que estariam prejudicando a atuação da instituição, em especial a elevada TLP.
Segundo Abreu, nos primeiros meses do ano os desembolsos têm sido fracos. “Se não mudar nada, vai ser menor [do que em 2022], com certeza. Os primeiros meses aqui foram bem baixos”, disse ele.
Mercadante aponta que em uma situação de piora do crédito no país e desaceleração da economia, o papel do banco se torna ainda mais importante. Ele lembra que também há determinação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva para que o banco seja mais ativo.
“O BNDES não pode mais continuar com os mecanismos atuais. Não é mais um banco que recebe subsídios como na época da TJLP. Então você está descapitalizando o banco, reduzindo o desembolso, apequenando o banco e comprometendo o papel dele no desenvolvimento”, disse Mercadante.
“Você tem mecanismos bem fortes para sair o dinheiro, sem alternativa para se financiar e sem competitividade. Se não se criar mecanismos para destravar isso, não se tem como operar com o BNDES hoje”, completou Abreu.
Como o JOTA antecipou em fevereiro, o BNDES apresentou ao Ministério da Fazenda as propostas para transformar a TLP atual, que é a mesma taxa para qualquer tipo de empréstimo, em múltiplas taxas, compatibilizando as taxas de captação (que majoritariamente se dá no Fundo de Amparo ao Trabalhador, o FAT) e de repasses do banco. Além disso, o banco quer permissão para captar com isenção de imposto de renda, criando a Letra de Crédito de Desenvolvimento (LCD). O projeto tem sido liderado pelo diretor de crédito à infraestrutura do banco, Nelson Barbosa, que apresentou a proposta ao público geral na coletiva de balanço do banco.
“Nós já conversamos com todas as instâncias do Ministério da Fazenda. Eles estão muito envolvidos com o arcabouço fiscal agora, não dá para exigir uma resposta assim tão rápida. Mas eles estão terminando o trabalho, então acredito que a gente entre na fila como a próxima etapa”, afirmou Mercadante. Após o aval da Fazenda e do Planalto, o tema ainda dependerá de aprovação do Congresso, mas Mercadante aponta que há massivo apoio do setor industrial e até da Febraban, da qual agora o banco faz parte, para avançar nas mudanças.
Do ponto de vista de sua estrutura de capital (a capacidade de alavancagem do crédito), há um grande espaço para o banco ampliar os desembolsos. Com um índice de Basileia de 34%, Alexandre Abreu explica que o banco pode se expandir sem precisar de sequer R$ 1 a mais no seu capital para realizar empréstimos. Mas ele pondera que mesmo assim é preciso ter fontes de financiamento, por isso a ideia de se criar a LCD (que se avançar pode captar entre R$ 10 bilhões e R$ 20 bilhões), a redução de dividendos, as operações no mercado internacional que devem ser ampliadas, além da busca por equacionar a TLP para melhorar a atratividade das operações do banco.
Para a nova direção do BNDES, a retomada de um papel mais relevante da instituição não vai gerar constrangimentos ao mercado de capitais local, o chamado efeito crowding out (expulsão). Abreu lembra que o mercado de capitais é bem mais desenvolvido atualmente e destaca que a parcela desse segmento que em tese concorreria com o banco, as debêntures, “secou”, especialmente após a crise das Americanas.
“Não tem risco algum de o mercado estar suprindo de crédito algum setor e o BNDES fazer concorrência. O recurso é muito limitado para fazer isso”, salientou Abreu.
De qualquer forma, essa é uma preocupação importante para o banco ter no radar. De fato, nos últimos anos a redução da instituição foi exagerada para um país com tantas necessidades como o Brasil. Mas a atuação exacerbada no período 2008-2014, quando os desembolsos chegaram a 4% do PIB, também foi um erro que gerou desequilíbrios importantes na economia. Mercadante e equipe, pelo menos no discurso, deixam claro que não pretendem repetir os erros do passado. A ver se conseguirão. Como diria um provérbio do Rei Salomão: a moderação em tudo é boa.
Fabio Graner – Analista de economia do JOTA em Brasília


Fonte: JOTA

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