União negocia compensação parcelada aos estados por perdas com corte no ICMS
Reposição escalonada foi pedido do Ministério da Fazenda para minimizar impacto nas contas
Idiana Tomazelli
Brasília
A compensação aos estados pelos cortes de ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) patrocinados pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e pelo Congresso às vésperas das eleições de 2022 pode custar à União até R$ 36,9 bilhões, segundo cálculos do Tesouro Nacional obtidos pela Folha.
O governo federal fez uma série de estimativas do valor que seria devido a cada um dos 26 estados e o Distrito Federal e, no cenário menos extremo, a fatura ficaria em R$ 13,2 bilhões. As simulações consideram diferentes cenários e foram apresentadas nesta semana a secretários estaduais e membros do governo.
O pagamento dessas reparações pode ser feito por meio de transferência da União aos estados, em vez de abatimento de dívidas.
Há uma preocupação devido ao impacto desses valores no resultado primário (sem juros) das contas do governo. Por isso, o Executivo federal busca um entendimento para diluir a compensação em mais de um ano.
A União também tenta limitar ao máximo o impacto da negociação. Os representantes federais entendem que a \”compensação justa\” seria de R$ 13 bilhões a R$ 16 bilhões.
O pagamento de uma reparação pela União aos estados foi colocado entre os principais temas na pauta das reuniões entre os 27 governadores e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) nesta sexta-feira (27).
O novo governo tem intensificado as tratativas para pôr fim ao impasse. Em dezembro, o STF (Supremo Tribunal Federal) deu um prazo de 120 dias para União e estados chegarem a um acordo.
A briga começou quando o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), que mantinha uma relação belicosa com os governadores, obteve apoio no Congresso para aprovar uma lei que uniformizou a alíquota de ICMS sobre gasolina, diesel e etanol. O texto entrou em vigor em março de 2022, com o objetivo de reduzir preços de combustíveis em ano eleitoral.
A cobrança do imposto estadual passou a ser de um valor fixo por litro (\”ad rem\”), em vez de um percentual. A medida teve impacto bilionário no caixa dos estados.
Quase três meses depois, uma segunda lei aprovada impôs um teto de ICMS para itens essenciais (como combustíveis e energia elétrica) e previu compensações a estados que tivessem perdas superiores a 5% na arrecadação do imposto. Mas a redação da norma deixou margem para diferentes interpretações, e, agora, a forma de cálculo dessa reparação é o principal alvo do impasse entre União e estados.
Os estados defendem estimar a compensação de forma específica para cada combustível e realizar o ressarcimento integral a todos os estados, dentro ou fora do programa de recuperação fiscal para endividados. Assim, o gatilho de 5% valeria para todos e dispararia o pagamento de todo o prejuízo —não só o excedente a esse percentual, como defende a União.
Os secretários também querem que as perdas em 2022 sejam estimadas sobre a base de 2021 corrigida pela inflação. Sem essa atualização, segundo eles, poucos estados acionariam o gatilho da compensação, uma vez que as receitas tributárias sobem naturalmente, acompanhando o nível de preços.
O dispositivo da lei, porém, fala em compensação da perda \”que exceda ao percentual de 5% em relação à arrecadação deste tributo no ano de 2021\”. A interpretação da União é que a reparação deve contemplar só o prejuízo excedente à queda de 5%, calculada sobre o valor nominal das receitas do ano anterior, uma vez que o texto não cita correção monetária.
O governo federal ainda entende que a estimativa deve ser feita sobre o ICMS como um todo, de forma global.
Segundo as simulações obtidas pela Folha, um acordo que acatasse 100% das interpretações da União resultaria em uma compensação de R$ 13,2 bilhões. O maior valor seria devido ao Rio Grande do Sul (R$ 3,3 bilhões).
A conta estima a perda global do ICMS sobre a base nominal da arrecadação em 2021 e prevê o ressarcimento apenas do prejuízo superior a 5% —somente estados no RRF (regime de recuperação fiscal) teriam cobertura integral das perdas.
Ainda nesse cenário, a correção da base do imposto pela inflação elevaria o custo a R$ 22,4 bilhões.
Se o cálculo for específico por combustível, mas ainda assim prevalecer o pagamento do prejuízo acima de 5% sobre a base sem correção, o impacto é de R$ 28,3 bilhões. A atualização dos valores de 2021 pela inflação elevaria a compensação a R$ 33,4 bilhões.
Este último cenário contempla os principais critérios adotados em liminares judiciais já concedidas a favor dos estados: pagamento do excedente aos 5%, apuração específica por produto e com correção monetária da base de comparação.
O estado de São Paulo seria o principal beneficiado, com R$ 5,86 bilhões —17,6% do valor total de R$ 33,4 bilhões. Na sequência viriam Rio de Janeiro (R$ 4,5 bilhões) e Minas Gerais (R$ 4,2 bilhões).
Há ainda os cenários que contemplam a cobertura do prejuízo integral para todos os estados —ou seja, uma vez acionado o gatilho, a União paga 100% do valor.
Nesse caso, o custo seria de R$ 16,5 bilhões, considerando uma estimativa sobre o valor global do ICMS e sem correção da base de 2021. A atualização pela inflação dos valores do ano anterior elevaria a perda a R$ 27,5 bilhões.
Se o cálculo for específico por combustível, o prejuízo fica em R$ 31,3 bilhões (sem correção da base) ou R$ 36,9 bilhões (com atualização da base de 2021).
A União discorda de vários dos pleitos dos estados, mas pode acabar atendendo a um ou dois itens de forma a conseguir acelerar o desfecho do acordo. A orientação é verificar qual desses pontos teria menor impacto nos cofres do governo federal.
A forma de pagamento também está sendo estudada. Por um lado, alguns estados já obtiveram liminares e estão abatendo valores de suas parcelas da dívida. O valor compensado até agora chega a R$ 9,05 bilhões.
Por outro, o governo federal tem restrições fiscais a serem observadas no caso de escolha por um repasse aos estados —entre elas o resultado primário e o teto de gastos, que limita o crescimento das despesas à inflação.
Uma nova reunião entre o secretário do Tesouro Nacional, Rogério Ceron, e os secretários estaduais de Fazenda ocorrerá nesta quarta-feira (8) para tentar avançar nas tratativas.
\”Já tem uma diretriz de que o governo federal quer fazer a recomposição, pediu para que essa recomposição pudesse ser feita dentro deste período de mandato, os próximos quatro anos, e vai discutir uma média entre aquilo que nós achamos que é a perda, de R$ 45 bilhões, e a portaria feita no governo do presidente Bolsonaro, que apontava R$ 13 bilhões\”, disse o governador do Espírito Santo, Renato Casagrande (PSB).
Segundo ele, o valor acertado deve ser uma \”posição mediana\” entre esses dois cálculos.
O Ministério da Fazenda pediu que a compensação possa ser diluída ao longo de quatro anos devido a uma preocupação com o impacto desses valores nas contas públicas. Embora alguns governos estaduais possam abater os valores de sua dívida com a União, aqueles que não têm nenhum débito devem receber repasses diretos do governo federal.
O governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB), demonstrou receptividade da proposta de escalonamento, mas foi mais cauteloso quanto ao prazo. Segundo ele, há discussão sobre se a compensação ocorrerá \”ao longo deste ano, de dois anos, três anos, ou até do mandato inteiro\”.
\”Os estados demonstram disposição nesse escalonamento. Não sei se é possível atingir os quatro anos, possivelmente tenha que ser um período menor. Mas a gente sabe também que uma coisa é a União discutir a compensação à vista, outra é discutir em seis meses, outra em dois anos. A União tem seus próprios desafios fiscais\”, afirmou.
O pagamento de uma reparação pela União aos estados é um dos principais impasses do início do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
A nova administração tem intensificado as tratativas para pôr fim ao impasse. Em dezembro, o STF (Supremo Tribunal Federal) deu um prazo de 120 dias para União e estados chegarem a um acordo.
A briga começou quando o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), que mantinha uma relação belicosa com os governadores, obteve apoio no Congresso para aprovar uma lei que uniformizou a alíquota de ICMS sobre gasolina, diesel e etanol. O texto entrou em vigor em março de 2022, com o objetivo de reduzir preços de combustíveis em ano eleitoral.
A cobrança do imposto estadual passou a ser de um valor fixo por litro (\”ad rem\”), em vez de um percentual. A medida teve impacto bilionário no caixa dos estados.
Três meses depois, uma segunda lei foi aprovada prevendo compensações a estados que tivessem perdas superiores a 5% na arrecadação do imposto, mas a redação da norma deixou margem para diferentes interpretações. A forma de cálculo dessa reparação é o principal alvo das divergências.
Os estados defendem estimar a compensação de forma específica para cada combustível e realizar o ressarcimento integral a todos os estados, dentro ou fora do programa de recuperação fiscal para endividados. Assim, o gatilho de 5% valeria para todos e dispararia o pagamento de todo o prejuízo —não só o excedente a esse percentual, como defende a União.
Os secretários também querem que as perdas em 2022 sejam estimadas sobre a base de 2021 corrigida pela inflação. Sem essa atualização, segundo eles, poucos estados acionariam o gatilho da compensação, uma vez que as receitas tributárias sobem naturalmente, acompanhando o nível de preços.
O dispositivo da lei, porém, fala em compensação da perda \”que exceda ao percentual de 5% em relação à arrecadação deste tributo no ano de 2021\”. A interpretação da União é que a reparação deve contemplar só o prejuízo excedente à queda de 5%, calculada sobre o valor nominal das receitas do ano anterior, uma vez que o texto não cita correção monetária.
O governo federal ainda entende que a estimativa deve ser feita sobre o ICMS como um todo, de forma global.
A União discorda de vários dos pleitos dos estados, mas pode acabar atendendo a um ou dois itens de forma a conseguir acelerar o desfecho do acordo. A orientação é verificar qual desses pontos teria menor impacto nos cofres do governo federal.
Para governo federal, o valor justo seria de R$ 13 bilhões a R$ 16 bilhões, mas o desfecho vai depender da costura com os estados.
Fonte: Folha de São Paulo