Tributação sobre renda e patrimônio tem participação recorde na receita de 2022

A participação dos tributos sobre renda e patrimônio na arrecadação federal fechou o ano de 2022 no nível recorde de 42,11% do total de recursos ingressados no caixa da União. O montante é 3,6 pontos porcentuais superior ao verificado em 2021, quando já se tinha alcançado o nível mais alto da série, iniciada em 2014.
Pela primeira vez, a Receita, em sua análise na nota sobre a arrecadação, admite a trajetória de alta que vem ocorrendo desde 2018. Ao mesmo tempo, destaca, há queda na participação de tributos de bens e serviços e também sobre o trabalho.
“O aumento da participação dos tributos sobre renda e propriedade pode ser, em grande parte, explicado pelo ciclo de alta do preço de commodities ligadas à extração mineral e exploração de petróleo, principalmente a partir de 2020”, comenta a Receita. “Já os tributos sobre folha de salários e bens e serviços viram suas bases de incidência encolherem em função da pandemia de coronavírus ocorrida a partir de 2020”, completa.
A análise do Fisco escrita na nota da arrecadação também observa que, em 2020, houve redução de alíquotas nas operações de crédito, acarretando a queda na participação dos tributos sobre transações financeiras.
Procurada, a Receita não quis ampliar explicações sobre o fenômeno. Uma análise mais detida dos números do ano passado, em que a arrecadação total atingiu a marca recorde de R$ 2,2 trilhões (alta real de 8,2%), mostra que, para além dos ganhos gerados pelo boom de commodities e maior lucratividade das empresas (em um ano no qual o PIB superou as expectativas), as medidas de desoneração tributária do governo passado também afetaram muito o perfil da arrecadação.
Renúncia tributária
A estimativa de renúncia tributária em 2022 foi de R$120 bilhões, sendo grande parte delas em impostos e contribuições indiretos, sobre consumo e trabalho. Na lista de iniciativas de perda de receitas, as três maiores são PIS/Cofins sobre combustíveis (R$ 25,85 bilhões de perdas), redução linear do IPI (R$ 17,2 bilhões) e desoneração da folha de pagamentos (R$ 9,2 bilhões).
É positivo que o perfil da arrecadação tributária seja mais voltado para a renda, especialmente em um país tão desigual como o Brasil. Porém, no caso brasileiro, os elementos apontam que essa mudança nos últimos anos está liderada por fatores conjunturais.
Nos últimos meses, por exemplo, já houve perda de valor das commodities, especialmente do petróleo, e não se sabe qual a sustentabilidade das medidas de renúncia fiscal — o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, quer voltar a taxar a gasolina e cogitou elevar o IPI, tendo que desistir por pressão política e empresarial.
Nesse sentido, ganha importância a questão da reforma tributária, que o governo enuncia como prioridade da agenda econômica. Em um primeiro momento, o que se quer fazer é uma reforma da tributação do consumo, consolidando em uma só legislação PIS, Cofins, IPI, ICMS e ISS. Uma das questões relevantes nesse processo será a calibragem da alíquota, ou das alíquotas, do IBS, seja ele Nacional ou Dual(com uma parte federal e outra para estados e municípios).
A segunda rodada de reformas mira a taxação da renda. O fato de essa ter ganhado participação na arrecadação total não deve servir de pretexto para se corrigir sérias distorções no sistema. O Brasil precisa avançar sobre a taxação dos mais ricos, seja com dividendos seja com uma visão mais justa sobre como alcançar patrimônios gigantescos (impossível esquecer que São Paulo teve um
projeto inacreditável de redução do imposto sobre herança aprovado pela
Assembleia e que ainda depende de sanção do novo governador do estado).
Com maior receita sobre a renda, o país pode diminuir mais ainda a carga sobre o consumo, beneficiando os mais pobres e a própria dinâmica da economia. Dessa forma, a melhora no perfil da arrecadação federal nos últimos anos é bem-vinda, especialmente em um contexto no qual se precisa reduzir o déficit fiscal. Mas é preciso que essa tendência conjuntural se torne estrutural, dando mais vitalidade e justiça para a economia brasileira no longo prazo.
Fabio Graner – Analista de economia do JOTA em Brasília


Fonte: JOTA

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