Ato pela Democracia une divergentes em torno da defesa do sistema eleitoral
Manifesto lido no pátio da Faculdade de Direito da USP nesta quinta (11/9) já passa das 960 mil assinaturas
Estado de Direito Sempre”. Essa é a frase que estava presente em botons, camisetas, faixas e na fala de autoridades que discursaram durante o Ato em defesa da democracia e do sistema eleitoral brasileiro na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), nesta quinta-feira (11/9).
A pluralidade marcou o evento que reuniu centenas de juristas, empresários, políticos, indígenas, movimentos sociais e sindicais, além de artistas e estudantes de Direito para a leitura da “Carta às Brasileiras e aos Brasileiros em Defesa do Estado Democrático de Direito”, documento que já ultrapassou a marca de 960 mil assinaturas.
Sob aplausos, a leitura da carta foi dividida em quatro trechos, que foram lidos por Eunice Jesus Prudente, professora da Faculdade Zumbi dos Palmares; Maria Paula Dallari Bucci, professora da Faculdade de Direito da USP; Flávio Flores da Cunha Bierrenbach, ex-ministro do Superior Tribunal Militar e subscritor da Carta de 1977; e Ana Elisa Bechara, vice-diretora da Faculdade de Direito da USP.
Após a leitura, o hino nacional foi executado no pátio da faculdade com o acompanhamento do coral da instituição. Em seguida, pessoas presentes no ato entoaram gritos de “fora, Bolsonaro”.
O documento lido no pátio das Arcadas na manhã desta quinta-feira remete à “Carta aos Brasileiros”, apresentada em agosto de 1977, na mesma instituição, que marcou a luta dos estudantes de Direito e de advogados contra a ditadura militar.
Antes da leitura do manifesto, Manoela Moraes, presidente do Centro Acadêmico XI de Agosto, da Faculdade de Direito da USP, discursou no pátio da faculdade e exaltou a diversidade existente na instituição atualmente. Também relembrou nomes de estudantes de Direito que perderam a vida em favor da democracia. As mortes do jornalista Dom Phillips, do indigenista Bruno Pereira e da vereadora Marielle Franco também foram citadas pela presidente do Centro Acadêmico.
O diretor da Faculdade de Direito da USP, Celso Campilongo, defendeu em sua fala ao público que apenas o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) tem competência para dar legalidade e publicidade às eleições e acrescentou: “A única força que pode dizer algo sobre processo eleitoral brasileiro é a força do eleitor, é a força do brasileiro e de ninguém mais”, pontou.
A representante da Associação de Juízes para a Democracia (AJD) e desembargadora do trabalho aposentada, Magda Biavaschi, afirmou ao JOTA que a defesa do sistema eleitoral e da democracia é necessária diante dos diversos ataques que eles vem sofrendo.
“O Brasil vive hoje uma grande ameaça ao sistema democrático de direito, a soberania popular e, nesse caso específico, ao sistema eleitoral. São impensáveis as acusações de insuficiência ou de inconsistência ao nosso sistema eleitoral, que é mundialmente reconhecido como uma excelência. Nós estamos aqui porque juramos nos nossos atos de posse respeitar a democracia, fazer cumprir as leis da República e a Constituição Federal”, afirmou Biavaschi.
Fernando Haddad (PT), Marina Silva (REDE), Guilherme Boulos (PSOL), Joice Hasselmann (PSDB), Márcio França (PSB), Luísa Erundina (PSOL) e Erika Hilton (PSOL) foram alguns dos políticos presentes. Além deles, figuras públicas como Walter Casagrande, Daniela Mercury e o economista Armínio Fraga também participaram do ato.
Antes da “Carta às brasileiras e aos brasileiros em defesa do Estado Democrático de Direito”, foi lido no Salão Nobre da Faculdade de Direito o manifesto “Em Defesa da Democracia e da Justiça”. O documento é encabeçado pela Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) e assinado por mais de cem entidades, entre elas, a Federação Brasileira de Bancos (Febraban), a Central Única dos Trabalhadores (CUT), a Academia Brasileira de Ciências e a União Nacional dos Estudantes (UNE), além de universidades, entidades ligadas à proteção ambiental e aos direitos humanos.
O manifesto foi lido por José Carlos Dias, presidente da Comissão Arns de Direitos Humanos e ex-ministro da Justiça. Antes dele, falaram alguns representantes de entidades e organizações. “Aqui nós temos a reunião de sindicalistas, de empresários e de movimentos sociais da sociedade civil. Isso mostra que as eleições já têm um vencedor, este vencedor é o sistema eleitoral brasileiro. Este vencedor é o a legalidade do estado democrático de direito sempre. Principalmente, o mais importante, o vencedor da eleições é o povo brasileiro”, afirmou Celso Campilongo, diretor da Faculdade de Direito da USP.
“Nesse momento, diferentes setores se unem em defesa da democracia, contra o fascismo, autoritarismo, pelo fim deste governo [Bolsonaro], é de suma importância considerar o racismo como assunto central”, afirmou, por sua vez, Beatriz Santos, integrante da Coalizão Negra por Direito.
Ao lado de fora da universidade, centenas de pessoas com cartazes, faixas e bandeiras em defesa da democracia e do sistema eleitoral acompanharam a leitura dos manifestos por um telão.
O dia 11 de agosto é simbólico pois marca o aniversário de 195 anos de criação dos primeiros cursos jurídicos do País e é também a data em que se comemora o Dia do Advogado.
Leia a íntegra da ‘Carta às brasileiras e aos brasileiros em defesa do Estado democrático de Direito’:
Em agosto de 1977, em meio às comemorações do sesquicentenário de fundação dos Cursos Jurídicos no País, o professor Goffredo da Silva Telles Junior, mestre de todos nós, no território livre do Largo de São Francisco, leu a Carta aos Brasileiros, na qual denunciava a ilegitimidade do então governo militar e o estado de exceção em que vivíamos. Conclamava também o restabelecimento do estado de direito e a convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte.
A semente plantada rendeu frutos. O Brasil superou a ditadura militar. A Assembleia Nacional Constituinte resgatou a legitimidade de nossas instituições, restabelecendo o estado democrático de direito com a prevalência do respeito aos direitos fundamentais.
Temos os poderes da República, o Executivo, o Legislativo e o Judiciário, todos independentes, autônomos e com o compromisso de respeitar e zelar pela observância do pacto maior, a Constituição Federal.
Sob o manto da Constituição Federal de 1988, prestes a completar seu 34º aniversário, passamos por eleições livres e periódicas, nas quais o debate político sobre os projetos para país sempre foi democrático, cabendo a decisão final à soberania popular.
A lição de Goffredo está estampada em nossa Constituição “Todo poder emana do povo, que o exerce por meio de seus representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”.
Nossas eleições com o processo eletrônico de apuração têm servido de exemplo no mundo. Tivemos várias alternâncias de poder com respeito aos resultados das urnas e transição republicana de governo. As urnas eletrônicas revelaram-se seguras e confiáveis, assim como a Justiça Eleitoral.
Nossa democracia cresceu e amadureceu, mas muito ainda há de ser feito. Vivemos em país de profundas desigualdades sociais, com carências em serviços públicos essenciais, como saúde, educação, habitação e segurança pública. Temos muito a caminhar no desenvolvimento das nossas potencialidades econômicas de forma sustentável. O Estado apresenta-se ineficiente diante dos seus inúmeros desafios. Pleitos por maior respeito e igualdade de condições em matéria de raça, gênero e orientação sexual ainda estão longe de ser atendidos com a devida plenitude.
Nos próximos dias, em meio a estes desafios, teremos o início da campanha eleitoral para a renovação dos mandatos dos legislativos e executivos estaduais e federais. Neste momento, deveríamos ter o ápice da democracia com a disputa entre os vários projetos políticos visando convencer o eleitorado da melhor proposta para os rumos do país nos próximos anos.
Ao invés de uma festa cívica, estamos passando por momento de imenso perigo para a normalidade democrática, risco às instituições da República e insinuações de desacato ao resultado das eleições.
Ataques infundados e desacompanhados de provas questionam a lisura do processo eleitoral e o estado democrático de direito tão duramente conquistado pela sociedade brasileira. São intoleráveis as ameaças aos demais poderes e setores da sociedade civil e a incitação à violência e à ruptura da ordem constitucional.
Assistimos recentemente a desvarios autoritários que puserafaculdadem em risco a secular democracia norte-americana. Lá as tentativas de desestabilizar a democracia e a confiança do povo na lisura das eleições não tiveram êxito, aqui também não terão.
Nossa consciência cívica é muito maior do que imaginam os adversários da democracia. Sabemos deixar ao lado divergências menores em prol de algo muito maior, a defesa da ordem democrática.
Imbuídos do espírito cívico que lastreou a Carta aos Brasileiros de 1977 e reunidos no mesmo território livre do Largo de São Francisco, independentemente da preferência eleitoral ou partidária de cada um, clamamos as brasileiras e brasileiros a ficarem alertas na defesa da democracia e do respeito ao resultado das eleições.
No Brasil atual não há mais espaço para retrocessos autoritários. Ditadura e tortura pertencem ao passado. A solução dos imensos desafios da sociedade brasileira passa necessariamente pelo respeito ao resultado das eleições.
Em vigília cívica contra as tentativas de rupturas, bradamos de forma uníssona:
Estado Democrático de Direito Sempre!!!!
Danielly Fernandes – Repórter trainee em São Paulo
Fonte: JOTA