Tecnologia ganha importância nas empresas, mas ainda gera dúvidas
Pandemia de Covid-19 força a evolução da conectividade, e companhias apostam em inovação
São Paulo
Enquanto a adoção em massa dos computadores demorou décadas e a dos smartphones levou apenas alguns anos, as próximas transformações tecnológicas que afetam empresas e consumidores podem ser mais rápidas.
A pandemia de Covid-19 tornou a digitalização ainda mais urgente. Com consumidores e boa parte dos funcionários em casa, foi ampliado o uso do comércio eletrônico, de ferramentas para o trabalho remoto e para o atendimento a distância nos serviços financeiros ou em consultas médicas.
A avaliação do mercado é a de que a adoção da tecnologia avançou décadas em apenas dois anos. \”O cenário é de máxima agilidade e integração\”, diz Alberto Luiz Albertin, professor da FGV (Fundação Getulio Vargas).
Segundo levantamento da Abes (Associação Brasileira das Empresas de Software) a partir de dados da consultoria global IDC, as empresas brasileiras investiram US$ 45,7 bilhões (R$ 240 bilhões) em 2021, 17,4% a mais do que no ano anterior. Globalmente, o avanço foi de 11% no mesmo período.
Para Jorge Sukarie, do conselho consultivo da associação, houve um avanço no investimento em tecnologia provocado pela adoção em massa do trabalho remoto.
Como consequência, 56,7% dos gastos das empresas se concentraram na aquisição de hardwares, enquanto 24,65% foram na contratação de softwares e 17,67% na contratação de serviços.
Segundo Sucari, essa distribuição indica que o Brasil e suas empresas ainda têm muito espaço para crescer e amadurecer em tecnologia. Ele diz que economias mais desenvolvidas tendem a já ter uma
infraestrutura bem estabelecida e, por isso, apresentam uma divisão mais igualitária entre diferentes tipos de investimento.
Mesmo sendo vital para os negócios, o assunto ainda gera dúvidas. A Folha consultou especialistas para obter respostas para questões frequentes sobre o assunto no Google.
O que é tecnologia para empresas?
Apesar de tecnologia ser uma palavra abrangente, que pode ser aplicada a qualquer conjunto de conhecimentos usados para resolver problemas, hoje em dia ela está associada à adoção de ferramentas surgidas no universo digital.
Para Rafael Lucchesi, diretor geral do Senai, o fenômeno reflete o espírito de nosso tempo, no qual uma grande variedade de inovações capazes de transformar o mercado e a sociedade vem, de fato, das
empresas de tecnologia da informação.
\”Se estivéssemos na Inglaterra durante a Revolução Industrial, tecnologia seria para nós a máquina a vapor. Por outro lado, nos Estados Unidos do início do século 20, seria sinônimo de motor à combustão.\”
Para o especialista, quando a tecnologia é aplicada de modo que gera ganhos financeiros, a companhia alcançou a inovação, que é o objetivo principal do esforço empresarial em pesquisa e desenvolvimento.
Qual a importância da tecnologia para empresas?
Para especialistas, a tecnologia é vital para a sobrevivência dos negócios tanto para questões operacionais (como gerenciar contabilidade e pagar impostos) como para ampliar vendas por canais digitais.
Segundo Ricardo Tiezi, diretor executivo e sócio da consultoria BCG, toda empresa tem uma série de necessidades que podem ser atendidas a partir da tecnologia e das oportunidades que surgem por meio dela.
Alberto Luiz Albertin, professor da FGV, diz que é quase impossível imaginar uma empresa que atue sem tecnologia.
Para Lucchesi, as empresas que lideram o mercado são aquelas que tiveram sucesso ao lidar com a tecnologia. \”Se sua competição é por preço, a tecnologia adotada é que definirá se seu produto é mais barato. Se a competição é por qualidade, ela também te dá uma vantagem a mais.\”
Marco Vinholi, superintendente do Sebrae-SP, diz que a tecnologia é importante para companhias de todos os portes.
Segundo pesquisa do Sebrae, o percentual de micro e pequenos negócios que vendem pela internet foi de 47% em 2019 para 71% em 2022.
Qual impacto a tecnologia traz para as empresas?
Há impacto na relação com os clientes e nos processos internos, diz Paulo Ossamu, diretor-executivo de tecnologia da consultoria Accenture na América Latina. Quando se olha para dentro, a tecnologia permite automatizar processos e monitorar com cada vez mais eficiência a qualidade da produção e da distribuição dos produtos.
A computação em nuvem permite ampliar ou reduzir operações com agilidade e flexibilidade. A inteligência artificial possibilita a análise de grandes volumes de dados para tomar a melhor decisão, diz Sukarie, da Abes.
Ela também permite substituir processos que exigem muita mão de obra e até riscos. Nas linhas de transmissão de energia é possível usar drones para fazer fotos dos equipamentos e inteligência artificial para identificar a necessidade de manutenção, sem que um funcionário precise subir nas torres, por exemplo.
Tiezi, do BCG, cita o caso de uma empresa de distribuição de gás que, a partir do monitoramento por GPS dos caminhões e da análise de grande volume de dados sobre perfil de compra dos clientes, passou a fazer rotas mais inteligentes para entregar botijões.
É a tecnologia que possibilita a criação de novos modelos de negócios. Basta pensar no surgimento, durante a década passada, de aplicativos para chamar corridas com motorista ou pedir comida, viabilizados pela disseminação dos smartphones.
Quais as desvantagens da tecnologia nas empresas?
A adoção da tecnologia permite que empresas sejam mais produtivas, criem novos produtos, acelerem seus processos, reduzam custos e sejam percebidas pelos consumidores como pioneiras e inovadoras.
Por outro lado, há o risco de investir em um grande projeto tecnológico sem que a empresa ou o mercado estejam maduros o suficiente para absorvê-lo, diz Carlos Fogarolli, sócio líder de enterprise technology e performance da Deloitte.
\”Não vejo desvantagens em investir, mas há jeitos errados de fazer isso. O principal é gastar sem ter clareza do que se precisa resolver. São muitas opções e uma avaliação errada pode te fazer manter uma
tecnologia inadequada por muito tempo\”, afirma.
Outro tema importante é a segurança, em especial após a entrada em vigor da Lei Geral de Proteção de Dados, que prevê sanções em caso de vazamento ou uso inadequado de informações de consumidores.
Vinholi, do Sebrae, lembra que o investimento em tecnologia também pode exigir dedicação da equipe a treinamentos, contratação de mais funcionários, gastos com segurança cibernética e tempo para maturação.
Como as empresas podem ter acesso à tecnologia?
Uma forma de identificar tecnologias interessantes é observar o que é feito pela concorrência, pelo mercado internacional e pelas empresas de outros setores. Também é comum que novas tecnologias sejam apresentadas em feiras de negócios.
Ossamu, da Accenture, cita a parceria ou o investimento em startups como uma possibilidade que vem ganhando espaço na estratégia de grandes negócios. Ao apostar em empresas jovens, quem investe pode ter acesso privilegiado a tecnologias emergentes e participar de perto do desenvolvimento.
Além disso, as empresas podem buscar consultorias para ajudar no planejamento e na seleção das ferramentas que irão contratar, fechar parcerias com universidades e centros de pesquisa ou investir na construção de áreas próprias de inovação.
Vinholi recomenda que os empresários consultem o site do Sebrae Conecta, que reúne
sistemas para ajudar a gerir o fluxo de caixa, encontrar linhas de crédito, divulgar produtos em redes sociais ou aparecer em aplicativos e sites de terceiros.
Que áreas de uma empresa mais se beneficiam de tecnologia?
Todos os departamentos podem se beneficiar, mas a prioridade da maior parte das empresas, segundo Tiezi, é investir na área comercial.
Além de viabilizar a criação de sites e aplicativos para vendas, a tecnologia apoia o relacionamento com clientes, permite manter histórico de compras e cotações e antecipar possíveis demandas.
A seguir, a tecnologia aparece com força na gestão e automatização fabril. Robôs, linhas de produção automatizadas e sensores para controlar a produção são parte fundamental da Indústria 4.0.
Na área de Recursos Humanos, a tecnologia pode automatizar processos para gestão da folha de pagamentos. Há empresas que adotam inteligência artificial para analisar informações fornecidas por candidatos a empregos.
Os softwares são usados para apoiar a gestão financeira da empresa, manter cadastro e histórico de relacionamento com clientes e garantir a manutenção de níveis adequados de estoque.
Tecnologias para empresas passam por atualização constante, em especial na área de software – Aureliano Medeiros
Quais tecnologias são ultrapassadas e colocam uma empresa em risco?
Os especialistas não citam uma tecnologia específica que está obsoleta, mas afirmam que é preciso acompanhar as atualizações da área.
Softwares de gestão de negócios já existem há décadas, mas têm se tornado mais eficientes conforme deixam de apresentar a empresa de modo compartimentado e passam a dar uma visão integral.
Como resultado, ganhou espaço a tendência do Software as a Service, que é a contratação de um software a partir de pagamento mensal ou anual, em vez da compra. Com isso, a empresa passa a acompanhar automaticamente as atualizações.
Segundo Fogarolli, da Deloitte, até mesmo os mainframes dos bancos (computadores de alto desempenho para lidar com grandes volumes de dados) seguem úteis e em evolução. \”O negócio deles está tão sedimentado ali que é muito difícil de trocar de tecnologia.\”
Como calcular o investimento necessário em tecnologia?
Depende do setor da empresa e de sua estratégia. Tiezi, do BCG, recomenda que, antes de comprar uma nova tecnologia, o empresário analise quais os problemas precisa resolver e quais oportunidades terá.
A seguir, é importante pesquisar o mercado, avaliar os produtos e serviços disponíveis e quanto a empresa ganhará caso faça o investimento.
Segundo Tiezi, nos setores que passam por muita transformação, em que as margens de lucro são altas, as empresas tendem a investir mais em tecnologia e chegam a destinar até 10% de seu faturamento. Isso inclui segmentos como o de software, o bancário e o de telecomunicações.
Já em indústrias tradicionais o gasto exagerado em tecnologia pode não se justificar.
Albertin, da FGV, explica que há diferentes estratégias. Enquanto companhias mais inovadoras investem mais e aceitam mais risco de prejuízo, outras esperam até que a tecnologia esteja mais madura para pagar menos.
\”Se o inovador acertar a mão, ele terá um grande ganho por um tempo e sua marca vai se beneficiar muito. No final, ele acaba aprendendo e ensinando a todos o caminho, o que não é problema para ninguém.\”
Inteligência artificial, redes blockchain, computação em nuvem e computação quântica são destaques entre as tecnologias citadas por especialistas – Aureliano Medeiros
Quais são as tendências em tecnologia para empresas?
Os destaques citados pelos especialistas são a inteligência artificial, as redes blockchain, a computação em nuvem e a computação quântica.
A tecnologia 5G, que acaba de chegar ao Brasil, ainda com limitações, deve aumentar o uso de ferramentas que precisam de maior velocidade de tráfego de dados, em especial a internet das coisas e os veículos autônomos.
Albertin, da FGV, diz que o momento agora é das tecnologias que permitem a integração e o aproveitamento de dados de diferentes fontes.
O metaverso é uma aposta de parte dos especialistas, mesmo que seu potencial ainda não esteja totalmente claro.
\”Quando converso com presidentes de empresa, pergunto: se pudessem voltar no tempo, o que teriam feito de diferente? Todos dizem que teriam investido na internet. Podemos estar vivendo o mesmo momento agora\”, diz Ossamu, da Accenture.
Fonte: Folha de São Paulo