BC exige comprovação de medidas contra lavagem de dinheiro em operações de criptomoedas da Binance
Banco Central notificou empresa terceirizada que era responsável pelas transações da corretora; Binance é líder do mercado no mundo e no Brasil
Thaís Barcellos, O Estado de S.Paulo
BRASÍLIA – O Banco Central exigiu que a Acesso Soluções de Pagamento, empresa que era responsável pelas transações financeiras da corretora de criptomoedas Binance, apresente informações detalhadas sobre os clientes e comprove a adoção de procedimentos contra lavagem de dinheiro. A informação foi publicada pelo jornal Folha de S.Paulo nesta quarta e confirmada pelo Estadão/Broadcast, por meio de documentos obtidos pela reportagem.
A determinação do BC à Acesso não foi cumprida como era esperado, mas gerou uma série de consequências comerciais e judiciais. A Binance, que não tem sede no País, mas lidera o mercado doméstico e mundial, trocou o parceiro que fazia a ponte entre ela e a Acesso, o Capitual (instituição de pagamento não regulada pelo BC) pela Latam Gateway. Agora, o banco que faz as transações financeiras é o BS2.
Além disso, a Binance entrou em uma disputa judicial com o Capitual. O processo corre em sigilo no Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), mas a Binance conseguiu bloquear R$ 451,6 milhões em recursos de seus clientes sob a posse do antigo parceiro, que apresentou recurso na última quinta-feira, 7, para revogar a decisão.
No caso da Binance, o Capitual era o titular da conta \”bolsão\” na Acesso que agregava os recursos de todos os clientes da Binance. Esse é o ponto-chave da disputa.
Atualmente, as corretoras precisam ter uma instituição financeira para realizar as operações, mas o modelo usado pela Binance é um pouco diferente do usado por outras exchanges, em que os usuários finais fazem as transações para a conta da própria corretora em um banco, embora seja legal.
Na conta do Capitual na Acesso, segundo os documentos do processo judicial, foram movimentados R$ 40 bilhões em 2021, mas a instituição de pagamento informou ao BC que não tinha informações sobre os clientes finais devido ao formato da conta.
O que diz a notificação do BC
A notificação do BC, obtida pela reportagem, determinou, no início de maio, que a Acesso comprovasse a adoção de procedimentos para coleta de dados obrigatórios dos seus clientes para cumprimento da legislação de Prevenção à Lavagem de Dinheiro (PLD).
O BC menciona informações como nacionalidade, endereço comercial, renda mensal, profissão e natureza da relação de negócio com a instituição, mas não faz menção direta à individualização de contas.
Mas, em troca de e-mails com o Capitual, obtida pelo Estadão/Broadcast, a Acesso disse que era preciso rever o modelo de conta \”bolsão\”, para que \”todos os titulares detenham contas individualizadas\”.
\”Cabe destacar que o modelo full bank permite, de forma plena, a identificação e qualificação dos beneficiários finais e viabiliza o completo monitoramento transacional, conforme exige a Lei de Prevenção à Lavagem de Dinheiro e a Circular BCB 3978, normativos que na condição de Instituição de Pagamento, não podemos negligenciar\”, disse a Acesso à Capitual em 3 de maio.
A instituição de pagamento deu o prazo de 16 de junho para adequação, repassado pelo Capitual à Binance. Mas a corretora respondeu ao parceiro, conforme outro documento obtido pela reportagem, que o BC \”jamais determinou\” que consumidores da corretora abrissem contas individuais junto ao Capitual ou a seus parceiros, já que ambas não eram reguladas.
A exchange também argumenta que a troca de mensagens entre a Acesso e a autarquia não contém determinação para abertura de contas individuais e nem determina um prazo para interrupção da parceria entre a Binance e o Capitual, apenas pede o detalhamento dos procedimento de PLD e o dossiê de informações dos clientes. A corretora ainda afirma que a atitude do parceiro visa a \”coagi-la\” a entregar sua base de clientes ou a conceder exclusividade.
Como a Binance não cumpriu o prazo acordado após comunicação da Capitual, houve interrupção dos saques e depósitos na plataforma no dia 17 de junho, quando a corretora anunciou que iria trocar seu parceiro no Brasil, e só foram retomados, já com a Latam Gateway no dia 7 deste mês.
Processo
Imediatamente após o problema, a corretora entrou com processo na Justiça alegando quebra de contrato, para tentar garantir a prestação de serviços. Mas o processo está parado, após liminar concedida a favor do Capitual. Na sequência, a corretora entrou com outra ação para bloquear os recursos da Binance e dos clientes que estão sob a posse do Capitual.
No recurso para revogar o bloqueio, o Capitual argumenta que se adequou, bem como seus parceiros, à determinação do BC \”de identificação de seus usuários e a adoção de diversas outras providências para evitar fraudes e crimes\”, sendo a única exceção à Binance – algo comprovado por cartas comerciais das corretoras Huobi Global e Kucoin.
O que dizem as empresas
Em nota, o Capitual disse que está comprometido com as medidas de combate à lavagem de dinheiro e financiamento de atividades ilícitas no mercado de criptomoedas. \”Diante das exigências de órgãos regulatórios, como o Banco Central, que são mandatórias para sua operação e de seus parceiros comerciais, o Capitual vem atuando para cumpri-las.\”
Já a Binance destaca que não é cliente da Acesso e que \”nunca foi informada sobre qualquer solicitação do Banco Central para individualização de contas\”. Além disso, afirma que possui ferramentas e processos robustos para garantir que o ecossistema cripto seja seguro para todos os usuários.
\”Sobre a Capitual, a Binance reforça que a empresa não é mais sua provedora de pagamentos por ações da Capitual que conflitam com os seus valores, e que tomou todas as medidas necessárias e cabíveis em relação à empresa para proteger os usuários e seus recursos e assegurar que eles não sejam afetados negativamente pela mudança\”, completou.
Questionado sobre a notificação à Acesso e se fez o mesmo com o B2S, que agora opera as transações da Binance, O BC disse que não comenta assuntos de instituição específica.
O B2S afirmou que suas operações ocorrem em \”total conformidade com a legislação e regulamentação vigentes, tanto no âmbito do Banco Central do Brasil quanto da Receita Federal e órgãos internacionais\”. Já a Acesso não respondeu aos questionamentos da reportagem.
Fonte: Estadão