STJ decide que Rol da ANS é taxativo, mas com excepcionalidades
A decisão representa uma mudança do entendimento do Tribunal e deverá impactar todo o setor de saúde suplementar
A 2ª Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu nesta quarta-feira (8/6) que o Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde da ANS é taxativo. Com o entendimento, as operadoras somente são obrigadas a cobrir aquilo que consta nesta lista.
Na mesma decisão, os ministros estabeleceram que eventuais procedimentos com indicação médica, comprovação científica e sem equivalentes incluídos no rol poderão ter a cobertura requisitada e acolhida pelo plano.
Foram seis votos favoráveis à tese do rol taxativo, três favoráveis ao rol exemplificativo.
Entenda o julgamento do rol da ANS no STJ
O julgamento começou em setembro de 2021, com o pronunciamento do ministro relator Luis Felipe Salomão, mas foi interrompido com o pedido de vista da ministra Nancy Andrighi.
Na época, o JOTA adiantou aos assinantes do JOTA PRO Saúde, três semanas antes o voto. Em edições do Bastidores da Saúde e do Apostas da Semana, desde setembro, detalhamos como iriam votar os outros quatro ministros que sucederam Salomão, além de informar que a tendência da tese do rol taxativo com excepcionalidades seria a tese vencedora.
Em fevereiro de 2022, a ministra Nancy Andrighi abriu divergência do ministro Salomão, votando pelo rol exemplificativo. O julgamento foi novamente interrompido com o pedido de vista do ministro Villas Bôas Cueva.
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No retorno do julgamento nesta quarta-feira, Cueva iniciou a leitura do seu voto destacando as competências da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) na elaboração do rol e lembrou que planos de referência já contêm as doenças classificadas pela Organização Mundial de Saúde (OMS).
Cueva lembrou também a Resolução Normativa 465/2021 da ANS, que diminuiu o prazo de atualização do rol de dois anos para seis meses.
Na fundamentação do voto de Cueva, foi citada ainda a Lei 14.307/2022 (oriunda da conhecida MP do Rol). O magistrado reforçou os avanços trazidos pela lei, como a determinação de que os tratamentos aprovados na Comissão de Incorporação de Tecnologias no SUS (Conitec) sejam automaticamente incluídos no rol e os critérios sobre eficácia.
Precificar com rigor
O voto do ministro Cueva foi adiantado aos assinantes na última sexta-feira (3/6), em edição do Bastidores da Saúde. Nele, o magistrado falou sobre a importância de se estabelecer um rol de maneira taxativa para precificar com mais rigor os planos, sem que haja grandes reajustes, uma vez que a sinistralidade será mais previsível.
Ele argumentou ainda que o rol exemplificativo poderia representar risco aos beneficiários, ao impor à operadora a cobertura indeterminada.
“Não se desconhece que tecnologias inovadoras podem ser incorporadas, mas a operadora não pode ser obrigada se outras opções previstas no rol podem ser utilizadas. Ao se considerar o rol exemplificativo, isso pode ocasionar a quebra da operadora e aumento nos planos, o que impacta os consumidores”, afirmou Cueva.
O ministro falou ainda dos riscos que os consumidores podem correr ficando expostos a terapias e tratamentos que não tenham sido submetidos pela avaliação técnica para incorporação ou, ainda, sem comprovação científica.
Não cabe exclusão tácita do rol da ANS
Após defender o caráter taxativo, Cueva entrou no ponto das excepcionalidades que poderiam ser propostas. O ministro afirmou que, apesar do caráter taxativo, não caberia exclusão tácita dos procedimentos. Diante disso propôs que as excepcionalidades seguisse os seguintes critérios:
Na regra geral, rol é taxativo;
A operadora não é obrigada a arcar com um tratamento não constante no rol se houver outro eficaz já incorporado;
É possível a contratação de cobertura ampliada para incluir procedimento não previsto no rol;
Não havendo substituto terapêutico ou esgotado os procedimentos do rol, pode haver a cobertura de tratamento indicado pelo médico, desde que:
não tenha sido indeferido pela ANS a incorporação ao rol;
haja comprovação de eficácia do tratamento;
haja recomendação de órgãos técnicos nacionais (como Conitec e Nat-Jus) e estrangeiros;
e, quando possível, seja realizado um diálogo institucional entre magistrados sem deslocamento da competência do julgamento do feito para a Justiça Federal.
Nancy: natureza exemplificativa do rol da ANS não significa cobertura total
Após o voto de Cueva, a ministra Nancy Andrighi fez um aditamento a seu voto. Andrighi não mudou sua posição, mas reforçou alguns pontos.
Para ela, o tema não deveria ser analisado sob o prisma do tratamento prescrito de forma individual para determinadas doenças, sob a pena de que injustiças sejam cometidas. A magistrada disse que via com preocupação a mudança de voto de Cueva (ambos integram uma turma que, até há pouco tempo, entendia que o rol é exemplificativo).
Nancy foi enfática ao reforçar que a natureza exemplificativa não levaria à obrigatoriedade de todo e qualquer tratamento prescrito:
“A obrigatoriedade deve sempre ser verificada caso a caso, reconhecida quando demonstrada imprescindibilidade e indicação feita por profissional habilitado, sem prejuízo de que operadora faça prova do contrário”, afirmou a ministra, completando:
“O poder judiciário não decide sobre tratamento, que é matéria técnica afeta aos profissionais habilitados (…) mas decide sobre a obrigação ou não de cobertura, questão essa de direito”.
Araújo demonstra preocupação, mas acompanha Cueva
Após a manifestação da ministra Nancy, foi a vez de o ministro Raul Araújo votar. O magistrado começou seu voto afirmando que se preocupava com a relevância do julgamento, com grande repercussão social e polarização:
“Muito me preocupa nesse relevante julgamento de ampla repercussão social, que estejamos, de um lado, ao adotarmos a taxatividade, estabelecendo em termos absoluto o prestígio do rol da ANS, excluindo, com isso, a possibilidade de coberturas especiais de toda e qualquer hipótese que venha ao Judiciário. De outro lado, se adotarmos a natureza exemplificativa, franqueando cobertura sem efetivo compromisso com parâmetros científicos constantes do rol da ANS, garantidor do mínimo controle necessário”, afirmou o ministro.
Para o ministro, a proposta de Cueva trazia resposta à questão, estabelecendo na parte final os critérios claros para a excepcional intervenção do Judiciário, no exame de casos específicos, ensejando a possibilidade de autorizações de tratamentos em situações extraordinárias.
Na sequência, em manifestações curtas, votaram os ministros Paulo de Tarso Sanseverino (pelo rol exemplificativo); Isabel Gallotti, Marco Buzzi e Marco Aurélio Bellizze (pelo rol taxativo), compondo assim maioria. E por último votou o ministro Moura Ribeiro, completando o placar de 6 x 3. A possibilidade de que a maioria favorável ao rol taxativo fosse atingida antes do final do julgamento também foi adiantada aos assinantes do JOTA PRO Saúde na edição do Apostas da Semana da última segunda-feira.
Repercussão do julgamento do rol da ANS
Em nota, a Federação Nacional de Saúde Suplementar (FenaSaúde) afirmou considera que a decisão do STJ sobre o rol da ANS garante, em primeiro lugar, a segurança do paciente, além da segurança jurídica e da sustentabilidade dos planos de saúde.
“A decisão do STJ reconhece que os mecanismos institucionais de atualização do rol são o melhor caminho para a introdução de novas tecnologias no sistema. Hoje, o Brasil tem um dos processos de incorporação de tecnologias mais rápidos do mundo, podendo ser finalizado em quatro meses. Essa avaliação é feita de maneira democrática, após a participação de associações de pacientes, associações médicas e especialistas”, diz a FenaSaúde.
“Importante reforçar que ninguém perderá acesso a procedimentos. A decisão traz mais, e não menos, segurança e assistência aos beneficiários de planos de saúde”, afirma a nota.
Advogado do Instituto de Defesa do Consumidor, Matheus Falcão afirmou que o resultado do julgamento sobre o rol da ANS é prejudicial ao consumidor e também para o SUS. “Já existe uma tendência constatada de que as pessoas, quando não têm cobertura de planos, acabam recorrendo ao Sistema Único de Saúde. A decisão de hoje certamente vai sobrecarregar o atendimento público ainda mais.”
Falcão afirma que, para o Idec, as exceções previstas pelos ministros em seus votos podem assegurar uma via para questionar negativas de atendimento. Mesmo assim, esse recurso não é plenamente eficaz. “Sabemos que as operadoras têm por diretriz negar cobertura. Caso haja necessidade de um atendimento emergencial, consumidor pode recorrer à Justiça. Mas nem todos conseguem percorrer esse caminho. Na prática, a decisão traz mais um argumento para que operadoras recusem atendimento, muitas vezes de forma ilegal”, disse.
O advogado afirmou que, com exceção das operadoras, vários setores da sociedade lamentaram a decisão sobre o rol da ANS. E adiantou que há movimentação em curso para tentar reverter a decisão de hoje, tanto no Judiciário quanto no Legislativo.
Karla Gamba – Repórter em Brasília. Cobre Saúde no Judiciário, Executivo e Legislativo. Antes, passou pelas redações do Jornal O Globo e Revista Época, cobrindo Palácio do Planalto nos governos de Michel Temer e Jair Bolsonaro, e pela redação do Correio Braziliense, onde cobriu Cultura.
Fonte: JOTA