Indefinição na Justiça pode gerar baixa adesão à transação do ágio

Tributaristas não estão confiantes em uma ampla adesão à transação tributária de casos sobre amortização de ágio, anunciada na última semana pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) e pela Receita Federal. A falta de uma jurisprudência sólida na Justiça e a existência de precedentes favoráveis no Judiciário e no Carf podem fazer com que empresas optem por continuar discutindo as cobranças fiscais. Pesa no cenário ainda o fato de a discussão sobre ágio afetar grandes empresas, que em geral podem arcar com os custos de debater o tema na Justiça.

As condições de pagamento ofertadas pela PGFN e pela Receita, por outro lado, são apontadas como um possível atrativo às companhias. É a primeira vez que um edital de transação permite a redução do débito principal, e não apenas dos juros e multas. Além disso, desde 2021 há a possibilidade de utilização de precatórios para pagamento de débitos inscritos em transações.

A transação do ágio foi publicada no último dia 3. O programa permite o parcelamento em até 55 vezes dos débitos relacionados a discussões sobre ágio, com redução de até 50% do valor do montante principal, das multas, dos juros e dos demais encargos.

Poderão ser incluídos débitos que se encontravam no contencioso administrativo ou judicial até o dia 3 de maio e que envolvam o aproveitamento fiscal de despesas de amortização de ágio decorrente de participações societárias, limitada às operações de incorporação, fusão e cisão ocorridas até 31 de dezembro de 2017.

É permitida a inclusão de débitos anteriores à Lei 12.973/2014. A norma fixou regras mais rígidas para o aproveitamento de ágio, reduzindo a margem de interpretação e as autuações sobre o tema.

Carf: decisões favoráveis recentes
Advogados ouvidos pelo JOTA revelaram que foram consultados por empresas sobre o programa, porém nesse primeiro momento o interesse é mais em conhecer a nova modalidade de transação. “As empresas estão levando em consideração dois pontos: custo de levar em frente a discussão no Judiciário e questões jurídicas de cada caso específico”, afirma o advogado João Colussi, do Mattos Filho Advogados.

O próximo passo, de entrada no programa, segundo tributaristas, pode não vir. Isso porque muitos ainda veem possibilidade de vitória no Judiciário e mesmo no Carf.

O tribunal administrativo é historicamente contrário aos contribuintes em casos envolvendo aproveitamento de ágio, porém a instituição do desempate pró-contribuinte alterou o cenário em casos analisados recentemente. Conforme mostrou o JOTA, a Câmara Superior do Carf tem conhecido menos processos sobre ágio, mas tem decidido mais casos de forma favorável aos contribuintes.

Em 2022 as empresas ganharam pelo menos dois casos sobre ágio na instância máxima do Carf. A Camil Alimentos S.A teve autuação derrubada no processo 19515.003259/2004-72, e o Banco Cacique S/A saiu vitorioso após a Câmara Superior analisar o processo 16327.720694/2016-28.

Nesta semana a 1ª Turma da Câmara Superior se reúne entre os dias 9 e 13, e a pauta originalmente contava com diversos casos envolvendo ágio. Desde esta segunda-feira (9) pelo menos sete processos sobre o tema foram retirados de pauta, mas o motivo não está relacionado à transação. Os contribuintes e a PGFN pediram o julgamento dos casos no plenário físico, prevendo maior possibilidade de debates no modelo presencial de julgamento. Foram retirados de pauta casos de empresas grandes, como Arcelormittal, Gol Linhas Aéreas e Ambev.

Por conta das peculiaridades, especialistas não acreditam que a transação esvaziará o estoque do Carf de casos sobre ágio. Os processos somam cifras bilionárias. A título de exemplo, o maior caso em tramitação no tribunal administrativo, de número 16327.720680/2013-61, trata do ágio gerado na fusão do Itaú e do Unibanco. Tributaristas estimam que o caso supere os R$ 30 bilhões.

Judiciário tem poucos precedentes
Já na Justiça ainda há poucos julgados relacionados ao aproveitamento de ágio, com decisões favoráveis tanto aos contribuintes quanto à União. Uma pesquisa de jurisprudência revela que a maioria dos casos ainda está em fase de análise de liminares, sem julgamento do mérito.

Entre os processos com entendimento favorável às empresas no mérito está o 5058075-42.2017.4.04.7100, analisado pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) em março de 2021. Foi considerado como regular o aproveitamento de ágio interno pela Gerdau Aços Especiais S/A.

Já o TRF3 analisou em 2017 o processo 0027143-60.2009.4.03.6100, envolvendo ágio interno aproveitado pela Viação Cometa S/A. Os desembargadores, porém, optaram por manter a cobrança tributária contra a empresa.

Devido à jurisprudência ainda não consolidada, alguns tributaristas acreditam que as empresas possam optar por continuar discutindo a questão judicialmente ao invés de incluir os débitos na transação tributária. Vale lembrar que os casos de ágio envolvem grandes empresas, que, ao colocarem na balança os custos de permanecer no Judiciário e a possibilidade de perderem o processo, podem optar por manter o caso na Justiça.

A advogada Mary Elbe Queiroz, do Queiroz Advogados Associados, acredita que frente ao cenário de indecisão vale a pena esperar, já que é possível aderir à transação até 29 de julho. “Não temos jurisprudência consolidada, nem administrativa nem judicial”, sintetiza.

Já o procurador Manoel Tavares de Menezes Netto, coordenador-geral da Representação Judicial da PGFN, aponta que o tema do ágio foi escolhido justamente por não existir uma jurisprudência firme. Caso a União fosse vencedora em todos os processos não teria sentido abrir uma transação, e caso o contribuinte fosse vitorioso em todos os processos seria o caso de dispensar a procuradoria de recorrer em ações sobre o tema.

Tavares não acredita que não haverá interesse em aderir à transação. “A transação não é feita para resolver todos os processos. É uma janela de oportunidade para aqueles que querem antecipar a resolução do processo”, diz.

Precatórios
Uma das vantagens associadas à transação do ágio, segundo fontes ouvidas pelo JOTA, pode ser a utilização de precatórios para o pagamento, modalidade permitida desde a aprovação da PEC dos Precatórios. A vantagem viria com a utilização de precatórios próprios ou com a compra de papéis com deságio.

Advogados, porém, apontam que o mercado de precatórios federais não tem disponibilizado grandes deságios na compra dos papéis. Isso porque a União está relativamente em dia com seus precatórios. “Se [o vendedor] tem um precatório firme, que não gera maiores dúvidas, o deságio é imaterial”, diz João Colussi.

Restam dúvidas, contudo, se a própria aprovação da PEC dos Precatórios pode alterar o cenário, e se a possibilidade de pagamento mais distante pode fazer com que detentores de precatórios de valores altos optem por deságios maiores.


Fonte: JOTA

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