STF tem 3 votos para invalidar decretos ambientais assinados por Bolsonaro
Caso está marcado para ser retomado depois do julgamento da ação penal contra o deputado Daniel Silveira
O Supremo Tribunal Federal (STF) já soma três votos para invalidar dispositivos de decretos editados pelo presidente Jair Bolsonaro em relação à política de meio ambiente. Se essa tendência prosseguir, os decretos que retiram a participação da sociedade civil do conselho do Fundo Nacional do Meio Ambiente (FNMA), excluem governadores do Conselho Nacional da Amazônia Legal e extinguem o Comitê Orientador do Fundo Amazônia podem ser considerados inconstitucionais.
De acordo com o presidente do Supremo, Luiz Fux, o caso deve ser retomado depois do julgamento da ação penal contra o deputado Daniel Silveira (União-Brasil-RJ), que é réu por atos antidemocráticos . O julgamento está previsto para o dia 20 de abril.
A discussão ambiental se dá na ADPF 651. Cinco ministros já se manifestaram sobre o tema no julgamento iniciado nesta quinta-feira (7/4). Dos ministros que já votaram, dois acompanharam integralmente a relatora, Cármen Lúcia, pela invalidade de dispositivos dos decretos. São eles: Alexandre de Moraes e Ricardo Lewandowski. O ministro André Mendonça concorda parcialmente porque entende que deve ser analisado somente o decreto que trata do FNMA, objeto inicial da ação. Assim, ele não aceita o acréscimo pedido pela parte. O ministro Nunes Marques diverge completamente da relatora e votou pelo não conhecimento e improcedência da ação.
A ação foi ajuizada pelo partido Rede Sustentabilidade, em um primeiro momento, com o objetivo de impugnar o decreto número 10.224/2020, que retirou a participação de entidades representativas da sociedade civil do conselho deliberativo do Fundo Nacional do Meio Ambiente (FNMA). O fundo é um agente financiador de projetos para a implementação da Política Nacional do Meio Ambiente e a verba é proveniente de dotação da União, doações e rendimentos do próprio fundo.
Depois, o partido aditou a petição inicial e acrescentou mais dois decretos a serem apreciados pelo Supremo: o Decreto 10.239/2020, que excluiu a participação de governadores no Conselho Nacional da Amazônia Legal, e o Decreto 10.223/2020, que extinguiu o Comitê Orientador do Fundo Amazônia, que tinha a atribuição de estabelecer as diretrizes e os critérios para aplicação dos recursos do Fundo Amazônia, acompanhar as informações sobre a aplicação dos recursos e aprovar o relatório de atividades.
Os votos
Em seu voto, a relatora, ministra Cármen Lúcia, declarou inválidos os decretos do governo federal. Para isso, ela recebeu a ADPF como Ação Direta de Inconstitucionalidade. A ministra também aceitou analisar a constitucionalidade em mais decretos do que o proposto inicialmente pelo partido político porque, em sua visão, as matérias a serem decididas são similares, sobretudo em relação à violação do pacto federativo e do princípio da precaução ambiental.
Para a relatora, a participação popular vem sendo reduzida pela edição de decretos presidenciais em muitos conselhos por decisão do governo. “As normas impugnadas, na minha compreensão, correspondem à ofensa ao princípio da vedação do retrocesso porque diminui o nível de proteção suficiente e eficiente do meio ambiente, a partir do enfraquecimento dos órgãos de controle ambiental que são afetados pelo afastamento da participação popular”, afirmou.
“Tenho para mim que a eliminação da sociedade civil nas entidades que compõem o Fundo Nacional do Meio Ambiente evidenciam uma centralização que seria antidemocrática, afastando a participação da sociedade civil das políticas públicas ambientais, o que deslegitima as ações estatais em ofensa ao princípio da participação popular”, complementou.
O ministro Ricardo Lewandowski e Alexandre de Moraes acompanharam a relatora. Para Lewandowski, os atos impugnados ofendem a Constituição de 1988 que preza pela democracia participativa em complemento à democracia representativa. Por isso, os decretos presidenciais violam o proposto pelo constituinte original.
O ministro André Mendonça acompanhou Cármen Lúcia quanto ao decreto que trata do FNMA e propôs a modulação dos efeitos para que ocorram após o julgamento e não possam retroagir. Ele não aceita a inclusão dos outros dois decretos no julgamento porque há outra ação em curso no Supremo (ADO 59) e também porque acredita que há violação à ampla defesa e ao contraditório, uma vez que a Advocacia-Geral da União (AGU) não se manifestou sobre os demais decretos.
O ministro Nunes Marques votou em total divergência à relatora. Para ele, ao invalidar um decreto que o presidente regulamentou uma lei pode criar um precedente perigoso no Supremo. “O governo pode, mediante atos normativos próprios, ampliar a participação popular, mas não há obrigação constitucional de que isso ocorra. Impedir a exclusão da sociedade civil de um conselho é uma forma sutil de deslegitimar governos futuros eleitos pelo voto popular. Pode surtir efeito contrário, limitar a participação da sociedade civil. Se não pode desfazer, melhor então nem fazer”, afirmou.
Carmen Lúcia o rebateu. “Estas situações são perigosas, porque quando se expõe isso, expõe quem votou até agora como se a gente tivesse falado alguma barbaridade. E seria mesmo. Se estivesse dizendo que o presidente da República, que tem a competência regulamentar infralegal, não pode exercer porque depois não pode mudar no sentido de modificar, alterar ou aperfeiçoar uma ou outra forma de participação popular, realmente estaria em contradição absoluta com a constituição. Não foi isso que eu disse.”
O advogado-geral da União, Bruno Bianco, e o procurador-geral da República, Augusto Aras, se manifestaram pelo não conhecimento da ADPF e, se conhecida, pela sua improcedência.
Flávia Maia – Repórter em Brasília
Fonte: JOTA