Brasil promete zerar IOF sobre operações de câmbio até 2029 para entrar na OCDE
Paulo Guedes afirma que assumiu compromisso em carta enviada à entidade na semana passada
Ricardo Della Coletta Idiana Tomazelli
Brasília
O governo brasileiro prometeu zerar até 2029 o IOF (Imposto sobre Operações Financeiras) em operações envolvendo compra e venda de moeda estrangeira para destravar seu ingresso na OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico).
A medida vai na direção de uma maior liberalização do fluxo de capitais estrangeiros e de transações invisíveis, instrumentos que integram as práticas da OCDE na área econômica.
O compromisso foi firmado pelo ministro Paulo Guedes (Economia), em carta enviada na semana passada aos membros do conselho da entidade.
Guedes participou na tarde desta terça-feira (25) de uma declaração à imprensa sobre a decisão da OCDE de iniciar as negociações para o ingresso do Brasil na entidade.
Segundo ele, a promessa de corte no IOF sobre compra e venda de moeda estrangeira foi possível graças à aprovação, pelo Congresso, de uma lei que promoveu uma série de modificações no mercado cambial.
\”Aprovada a lei cambial eu posso me comprometer com a redução da tributação do IOF e assim fizemos. Mandei uma carta à OCDE na semana passada, que eram os dois últimos requisitos que faltavam\”, disse Guedes.
\”[A nova lei] nos permitiu então assinar o compromisso; mandamos o nosso compromisso de assinar essa remoção gradual e desenhada dos IOFs sobre fluxos internacionais, que era o último requisito econômico que faltava\”.
De acordo com Erivaldo Gomes, Secretário de Assuntos Econômicos Internacionais do Ministério da Economia, a renúncia calculada com a medida é de R$ 7 bilhões até 2029. Ele afirmou, no entanto, que expectativa do governo é que as perdas sejam compensadas com o aumento de transações que a redução tributária deve promover.
O convite para que o Brasil inicie formalmente as negociações para ingresso na OCDE foi aprovado nesta terça pelo conselho da entidade, que reúne 38 países.
O pedido formal de adesão do Brasil à OCDE ocorreu em 2017. O ingresso no \”clube dos países ricos\” é uma das prioridades da política externa do governo Jair Bolsonaro (PL).
Além do Brasil, a OCDE também estendeu convite para início das conversas de entrada na organização à Argentina, Peru, Bulgária, Croácia e Romênia.
Os membros da OCDE se comprometem com o cumprimento de boas práticas para o funcionamento de seus governos e economias.
Dada a largada das negociações, inicia-se um processo negociador que deve durar pelo menos dois anos. A média para a conclusão do processo dos últimos membros foi de quatro anos.
Durante esse período, o Brasil precisará aderir a uma série de instrumentos normativos da entidade, além de ter sua candidatura analisada em cerca de 30 comitês.
Mesmo antes da formalização do processo negociador, o Brasil já vinha adotando essas normas, justamente para sinalizar seu interesse em fazer parte do grupo. Até o momento, o Brasil aderiu a 103 dos 251 instrumentos.
A redução do IOF está entre as obrigações a serem cumpridas pelo governo brasileiro.
A previsão da equipe econômica é cortar alíquotas sobre quatro tipo de operações: ingresso e saída de recursos estrangeiros com permanência de até 180 dias (taxada hoje em 6%), operações cambiais em cartões de crédito, débito e cartões pré-pago para viagens ao exterior (6,38%), aquisição de moeda estrangeira ou transferência de recursos a conta no exterior (1,10%) e outras operações de câmbio (0,38%).
Os atos para implementação dessas medidas ainda estão sendo elaborados pelo Ministério da Economia. A previsão é que a última alíquota seja zerada em 2029, mas algumas podem ser abolidas antes disso. O cronograma detalhado ainda está em discussão dentro do governo e os prazos podem sofrer ajustes.
A confirmação da entrada do Brasil na OCDE ainda depende de um consenso dos 38 países que integram o grupo. Eles avaliarão o cumprimento dos instrumentos previstos para ingresso na entidade.
Em um comunicado, a OCDE informou que detalhes sobre o processo de adesão de cada um dos países serão preparados assim que os candidatos confirmem seu endosso a alguns valores da organização.
Entre eles, estão \”preservação da liberdade individual; valores da democracia; proteção de direitos humanos; além de economias de mercado abertas, competitivas, sustentáveis e transparentes\”.
\”[Esses valores] também se referem a compromissos dos membros da OCDE na promoção de um crescimento econômico sustentável e inclusivo, além do objetivo de combater as mudanças climáticas, inclusive impedindo e revertendo a perda de biodiversidade e o desmatamento.\”
O ministro Carlos França (Relações Exteriores), que participou da declaração à imprensa no Planalto, afirmou que o presidente Jair Bolsonaro já assinou a carta de resposta, elaborada pelo Itamaraty.
\”A acessão do Brasil à OCDE tem a ver com o lugar do Brasil no mundo, é disso que se trata. A ideia de que podemos participar deste foro que trará a nós a aderência às melhores práticas de governança, de combate a corrupção, de melhoria de políticas públicas e trará muitos benefícios também para a economia\”, afirmou França.
Havia resistência de membros da OCDE em relação à entrada do Brasil.
As maiores objeções eram colocadas pela França por conta da política ambiental do presidente Bolsonaro.
No entanto, segundo interlocutores, muitos dos receios levantados pelos franceses e por outros membros serão discutidos durante o processo negociador.
Ainda de acordo com interlocutores, o que verdadeiramente destravou o convite foi um entendimento alcançado entre os Estados Unidos e sócios europeus da OCDE.
Americanos e europeus discordavam sobre o ritmo de ampliação da organização. Enquanto Washington defendia que houvesse apenas um processo de adesão por vez, os países da Europa queriam que o ingresso de um país latino-americano fosse acompanhado da análise de uma candidatura europeia.
Agora, todos os seis candidatos receberam cartas-convites para iniciar seu processo de adesão.
Em 2019, o então presidente dos EUA, Donald Trump, afirmou publicamente que endossaria a campanha brasileira para o ingresso na OCDE.
Em troca de obter o apoio dos Estados Unidos, o Brasil prometeu abrir mão de seu \”tratamento especial e diferenciado\” na OMC (Organização Mundial de Comércio), que dá ao país maiores prazos em acordos comerciais e outras flexibilidades.
Embora existisse receio no Itamaraty que houvesse uma reversão do apoio no governo Joe Biden, a atual administração americana manteve o endosso à candidatura brasileira.
Fonte: Folha de São Paulo