Nunca especulamos temas’, diz Fachin sobre diálogos com Zavascki sobre Lava Jato
Nesta quarta (19/1), morte de primeiro relator da Lava Jato completa 5 anos. Fachin, atual relator, fala sobre o colega
Na noite do dia 19 de janeiro de 2017, o ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), estava em Hamburgo, na Alemanha, quando recebeu um telefonema de seu gabinete com a notícia da morte de seu colega Teori Zavascki, relator da Lava Jato.
“Por mais relevantes e apreensivos do ponto de vista do interesse público, os processos que eram relatados pelo Ministro Teori não poderiam estar à frente de sua dignidade ou do luto de sua família”, diz o ministro, que chegou ao Brasil a tempo do sepultamento do colega, em Porto Alegre. “Por isso, não procurei nem fui procurado por Ministro do Tribunal sobre assumir relatoria da Lava Jato, nem soube de conversas ou diálogos entre colegas sobre o tema.”
Sobre conversas relacionadas à operação com o então colega, Fachin diz que ambos nunca especulavam temas. “Ele era reservado e eu também, logo não tivemos interlocução além do necessário. Como colegas e amigos, compartilhávamos cosmovisões em vários assuntos, como se pode deduzir dos julgamentos no colegiado”, relembra.
Depois da morte de Zavascki, Fachin mudou da 1ª para a 2ª Turma e foi sorteado como o novo relator da Lava Jato. “A relatoria da operação Lava Jato proporcionou-me circundar o legado do intimorato Ministro Teori Zavascki. Firme, imparcial e corajoso, a voz da justiça se fez ecoar como resposta do Estado-juiz em face das condutas violadoras a bens jurídicos como a corrupção e as lavagens de capitais, as quais contribuem para a manutenção da desigualdade social”, afirma.
Questionado sobre as eleições de 2022 e a temática da corrupção, o ministro afirma que o tema sempre estará entre os problemas a serem enfrentados por quem se dispõe a pensar o Brasil na ambiência política. “Não se trata de uma temática que possa ser capturada por um momento da história ou por um processo judicial especificamente.’
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Há cinco anos, um acidente de avião vitimou o ministro Teori Zavascki. Em momento particularmente grave para a história do país. Quando o senhor teve a notícia da morte e nos dias seguintes, como reagiu e como a Corte reagiu institucionalmente?
Recebi a notícia por meio de telefonema de meu gabinete ao começo da noite. A reação imediata foi antecipar o retorno do Max Planck Institut, de Hamburgo, onde me encontrava. Assim se passou e conseguimos chegar a Porto Alegre para acompanhar o sepultamento. Tal como fiz, a reação dos demais Ministros e a reação da própria Corte foi a de profunda solidariedade com a família do Ministro Teori e também de tristeza, pois perdíamos tragicamente um amigo e um conselheiro valioso.
A melhor reação que podíamos ter feito foi, de fato, a que tivemos: render as últimas homenagens a quem foi um exemplo no serviço público, em sua integridade e em sua dedicação. Por mais relevantes e apreensivos do ponto de vista do interesse público, os processos que eram relatados pelo Ministro Teori não poderiam estar à frente de sua dignidade ou do luto de sua família. Por isso, não procurei nem fui procurado por Ministro do Tribunal sobre assumir relatoria da Lava Jato, nem soube de conversas ou diálogos entre colegas sobre o tema.
Qualquer alteração na composição do Supremo é marcante e muda o rumo do colegiado. O que o STF perdeu com a saída precoce do ministro Teori Zavascki? E que características novas, que predicativos ganhou com a chegada do ministro Alexandre de Moraes? E, no somatório, como o colegiado mudou com essa troca, na visão do senhor?
Teori Ministro era também magistrado na acepção escorreita do termo. O tribunal perdeu um grande juiz, a Lava Jato perdeu o seu relator originário e a saída precoce arrastou o tribunal como um todo. Mas o Supremo deu todas as respostas que pode ofertar: a instituição é maior do que a soma dos indivíduos que a compõe.
Sob essa perspectiva, o ingresso do Ministro Alexandre foi um grande ganho para o tribunal. O Supremo é um colegiado institucional, as características pessoais são conhecidas, mas é no resultado institucional que o melhor desenho do tribunal se apresenta.
Um problema prático decorrente da trágica morte do ministro Teori Zavascki foi a continuidade das investigações da Lava Jato. Juízes, claro, não escolhem processos para julgar. Mas o senhor teve de escolher. O que pesou para essa escolha (de mudar de turma e aí poder ser sorteado novo relator dos inquéritos e ações)? E como essa escolha impactou no gabinete e na rotina de decisões do senhor?
Escolhi mudar de Turma. E a razão foi a simetria institucional das situações, a do meu ingresso, quando foi destinatário de gesto semelhante, e essa que levei a efeito, no mesmo sentido.
No início do ano de 2015, a 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal, já preventa para os casos relacionados à Operação Lava Jato, funcionava com apenas 4 (quatro) Ministros, fato que motivou o pedido de transferência formulado pelo Ministro Dias Toffoli, até então integrante da 1ª Turma.
Com o falecimento do Ministro Teori Zavascki no início de 2017, coloquei-me à disposição do Tribunal para compor a 2ª Turma, o que ocorreu nos termos regimentais, sendo designado como relator da Operação Lava Jato por sorteio entre os integrantes do Órgão Colegiado.
A partir de então, considerada a densidade e extensão dos casos atinentes à Operação Lava Jato, ambiência na qual o Supremo Tribunal Federal atua nas competências jurisdicionais originária e recursal, a organização funcional do gabinete foi reformulada para viabilizar o destacamento de um grupo composto por juízes, assessores e servidores, responsável pelo gerenciamento do acervo e assessoramento na instrução de feitos e elaboração de minutas de decisões e votos, visando não impactar a prestação jurisdicional demandada nos demais – e não menos importantes – feitos que tramitam sob minha relatoria.
O senhor conversou com o ministro Teori Zavascki em alguns momentos sobre Lava Jato. O que ele dizia para o senhor sobre as investigações, sobre o que vinha identificando, sobre o juiz Sérgio Moro e o MPF na condução dessas investigações?
Os diálogos sempre foram sobre fatos conhecidos. Nunca especulamos temas. Ele era reservado e eu também, logo não tivemos interlocução além do necessário. Como colegas e amigos, compartilhávamos cosmovisões em vários assuntos, como se pode deduzir dos julgamentos no colegiado.
Existe uma pergunta inevitável: qual foi o impacto da morte do ministro Teori Zavascki para a Lava Jato? Alguns ministros e assessores de Teori Zavascki dizem que ele, em algum momento, faria uma inflexão para corrigir alguns rumos da Operação e da atuação do MPF. O senhor acredita nisso? E que balanço o senhor faz hoje, como relator da Lava Jato, sobre a contabilidade da operação?
A relatoria da operação Lava Jato proporcionou-me circundar o legado do intimorato Ministro Teori Zavascki. Firme, imparcial e corajoso, a voz da justiça se fez ecoar como resposta do Estado-juiz em face das condutas violadoras a bens jurídicos como a corrupção e as lavagens de capitais, as quais contribuem para a manutenção da desigualdade social.
Enfatizo que as observações são extraídas aos feitos consubstanciados em decisões monocráticas e do colegiado, sem ilações de desígnios. Nesse contexto, extrai-se profícuo trabalho desenvolvido pelo Ministro Teori Zavascki, apoiado de competentes e comprometidos integrantes do gabinete. Apenas para dimensionar, cita-se homologação de 21 acordos de colaboração premiada, com arrecadação de mais de R$ 84 milhões em pagamento de multas e de cláusulas de perdimento.
Como antes informado, no âmbito da relatoria da Lava Jato, como forma de accoutability, relatórios de dados são periodicamente divulgados pelo gabinete. Em números, o último relatório atualizado até 25.11.2021, no âmbito da Lava Jato no Supremo Tribunal Federal, foram homologados 123 acordos de colaboração premiada, com arrecadação de mais de R$ 1,5 bilhão em multas e perdimentos.
Na classe Petições foram proferidas 2.474 decisões monocráticas e 6.632 despachos; por sua vez, nas Ações Cautelares foram contabilizadas 573 decisões monocráticas e 1.415 despachos; nos Inquéritos, 546 decisões monocráticas e 2.137 despachos; e, nas Ações Penais, 108 decisões e 398 despachos.
Os números, para além de expressarem o que já se fez, revelam que persistem os desafios da equação jurisdição constitucional eficiente em face de bens jurídicos infringidos e penalmente punidos, sob a perspectiva de um Estado democrático de Direito.
Um desdobramento da pergunta anterior, ministro: em 2018, o tema combate à corrupção foi bandeira da campanha eleitoral. O senhor acredita que, passados os anos, este tema ainda será decisivo nas eleições? Ou a Operação Lava Jato e a atuação do MPF perderam apelo eleitoral? Nós vemos que duas personagens centrais da operação vão disputar cargos eletivos. O que isso diz de todo o processo?
As eleições gerais de 2022, em um país de dimensões continentais, como o Brasil, envolvem, evidentemente, a consciência e o enfrentamento de inúmeros desafios. O processo eleitoral garante a democracia, constituindo-se em caminho seguro que traduz a vontade do povo em números de votos que conduzem candidatos e candidatas a mandatos eletivos.
Tratando, especificamente, de problemas reais, é de se ver que a integridade das eleições nacionais, no contexto moderno, sofre, de um lado, pressões relacionadas com a preservação da igualdade de oportunidades entre os concorrentes e, de outro, com a garantia da liberdade para o exercício do sufrágio. O processo eleitoral é a garantia de que as disputas e divergências típicas das campanhas eleitorais serão conduzidas em ambiente de segurança e paz social.
A temática da corrupção sempre estará entre os problemas a serem enfrentados por quem se dispõe a pensar o Brasil na ambiência política. Não se trata de uma temática que possa ser capturada por um momento da história ou por um processo judicial especificamente.
A história conta fatos que são registrados por narradores de um universo plural de espectadores. Assim sendo, não se pode contemplar a complexidade de um processo eleitoral, como será o de 2022, sob o enfoque monotemático da corrupção ou de outro tema singular qualquer.
Para que a Justiça Eleitoral cumpra seu mister constitucional e o processo eleitoral transcorra com transparência e segurança, será essencial o esforço coletivo por parte de toda a sociedade brasileira para imergir em debates que possam efetivamente contribuir para o avanço da conversão da vontade do povo, registrada nas urnas, em políticas públicas que se concretizem em vida digna para brasileiras e brasileiros.
À Justiça Eleitoral, portanto, o que preocupa não é um tema específico, como a corrupção, nem um conjunto de ações e temas escolhidos para debate na esfera pública das campanhas eleitorais respectivas, mas a condução transparente, segura e pacífica do processo eleitoral que tem como objetivo traduzir a vontade soberana do povo brasileiro em mandatos eletivos.
Felipe Recondo – Diretor de conteúdo em Brasília.
Fonte: JOTA