Judiciário não pode corrigir leis em julgamentos, diz eleito em associação dos advogados
Tributarista Mário Luiz Oliveira da Costa também fez críticas às sessões virtuais do STF
Géssica Brandino
São Paulo
O advogado Mário Luiz Oliveira da Costa, 52, foi eleito nesta quarta-feira (15) presidente da AASP (Associação dos Advogados de São Paulo), a maior instituição do tipo na América Latina, com mais de 80 mil filiados.
A partir de janeiro, ele será o sucessor de Viviane Girardi, a primeira mulher no cargo em mais de 75 anos da associação.
Especializado em direito tributário, empresarial e mestre em direito econômico pela USP, ele faz críticas à intensificação do uso das sessões virtuais de julgamento no STF (Supremo Tribunal Federal) e ao ativismo no judiciário em entrevista à Folha.
\”Nós temos que tomar muito cuidado para que não se pretenda, ao julgar determinada matéria, corrigir entre aspas aquilo que o julgador possa entender que esteja errado na lei ou na Constituição. Isso não pode acontecer. Nós não podemos aceitar porque isso gera uma grande insegurança jurídica.\”
O sr. fez parte de sete gestões da associação até aqui, inclusive a de Viviane Girardi, a primeira mulher presidente. Como avalia a questão da representatividade? No âmbito da diretoria, por exemplo, nós teremos paridade e temos buscado mais conselheiros negros. O Cristiano Conceição é o nosso primeiro conselheiro negro e estamos a busca de mulheres negras.
A associação aplicou o formulário do censo em agosto. O que já se sabe sobre o perfil da advocacia? Nós estamos concluindo esta avaliação. Tivemos informações bastante relevantes no que diz respeito ao número de associadas mulheres. Temos que melhorar o número de associados negros, mas isso depende dos advogados se associarem. Quanto maior a diversidade entre os associados, maior será a representatividade da associação.
Como deve ser o diálogo com a OAB-SP? A própria questão racial e paridade de gênero e de minorias, tenho certeza que teremos a parceria da OAB e demais entidades representativas da advocacia. Não tenho dúvida que no comando da presidente, Patricia Vanzolini, e do vice-presidente, Leonardo Sica —que já foi nosso presidente da AASP e eu fui diretor durante a presidência dele—, nós teremos uma grande integração entre a AASP e a OAB. Todos nós temos um interesse comum que é otimizar o trabalho e defender as prerrogativas do advogado.
Qual sua posição sobre a continuidade do teletrabalho de magistrados? Tivemos alterações muito relevantes em razão da pandemia. De um lado, o uso da videoconferência possibilita sim uma melhor atuação do advogado, especialmente no que diz respeito aos espaços [de diálogo] com os magistrados. Já nos julgamentos, diria que a videoconferência é prejudicial a uma total compreensão do caso. Temos uma série de dificuldades para o advogado pedir a palavra, prestar esclarecimentos, questão de ordem.
Outra questão importantíssima é o tema das sessões virtuais de julgamento. Tivemos um aumento muito grande, especialmente no STF. Ela fica aberta por uma semana, cada ministro disponibiliza o seu voto, não há um debate e sequer há possibilidade do advogado se manifestar no curso do julgamento.
As sessões virtuais de julgamento foram idealizadas apenas para temas que já estivessem pacificados no tribunal, mas aos poucos elas foram avançando e hoje são julgados temas não só inéditos como extremamente relevantes. Isso é muito grave porque um tipo de julgamento como esse acaba cerceando o amplo direito de defesa da parte envolvida e o exercício da atividade profissional.
O que poderia ser feito? O ideal seria retornarmos a situação em que apenas em casos em que a discussão não fosse inédita fosse julgado em sessões virtuais. Na prática, é muito difícil que isso venha a ocorrer. Não há dúvida que, de outro lado, as sessões virtuais acabaram possibilitando uma maior produtividade do Judiciário.
O que temos pleiteado é para que ao menos nós tenhamos um mecanismo que as aproxime mais das sessões presenciais. Poderia haver uma sessão inicial na qual o advogado fizesse a sua sustentação oral, com o acompanhamento ao vivo e online dos senhores ministros, e a partir dali se abriria o prazo para os ministros disponibilizarem os seus votos.
Como avalia a posição do STF no inquérito das fake news? Não há dúvida de que exista uma boa vontade dos julgadores em geral quando se pretende agilizar determinados julgamentos. O que pontuaria é que precisamos ter uma absoluta observância em relação aos procedimentos cabíveis.
É muito importante que a ampla defesa seja observada, que os advogados tenham acesso ao inquérito, ao acompanhamento de todos os procedimentos, que tenham oportunidade de defesa, porque o que não se pode —e aqui estou colocando como posição minha—, é ter uma possibilidade de se entender que tenha havido algum descumprimento de regra ou procedimento para viabilizar o inquérito em si.
Em temas dessa relevância os julgadores devem se atentar para serem mais rígido possível em relação ao cumprimento de todas as regras e observância de todas as prerrogativas dos advogados para evitar a possibilidade de críticas que acabem de alguma forma maculando a própria imagem do Judiciário.
Avalia que existe ativismo judicial na corte? O ativismo judicial é uma realidade hoje em dia em relação a vários tribunais e é algo que realmente nós precisamos enfrentar.
A segurança jurídica diz respeito à observância do direito posto, as regras em vigor, tanto da lei quanto da Constituição Federal. Nós precisamos tomar muito cuidado para que ao julgar determinada matéria, corrigir, entre aspas, aquilo que o julgador possa entender que esteja errado na lei ou na Constituição. Isso não pode acontecer.
Nós não podemos aceitar, porque isso gera uma grande insegurança jurídica e, portanto, se há algo errado na lei ou na Constituição, que se mude a lei e ou a Constituição. Como diz o ditado: dura lex, sed lex [a lei é dura, mas é lei]. Nós temos limites em relação ao que é possível interpretar da lei e da Constituição Federal, de modo que este ativismo judicial, quando ele vai para uma linha de extrapolar os limites da interpretação, ele realmente não é admissível.
O sr. estará à frente da entidade em um ano eleitoral. Que postura adotará caso o presidente Jair Bolsonaro volte a questionar o sistema de votação? A associação preza e se orgulha de não adotar posições políticas, até porque não é esse o interesse dos nossos associados.
E caso exista alguma ameaça à democracia? Se tiver algo que atente contra a democracia não há dúvida que iremos nos posicionar, mas tomamos muito cuidado para não nos precipitarmos em relação a temas que estão apenas no âmbito dos debates, para não colocar mais lenha na fogueira.
A AASP concorda com o posicionamento da OAB, que aponta a PEC dos Precatórios como inconstitucional? Não sabemos exatamente como ficará a PEC dos Precatórios [a entrevista foi dada antes da conclusão da votação na Câmara].
O que mais preocupa nesta parte que já foi aprovada e que certamente será objeto de discussão junto ao STF é uma disposição que determina que o credor do precatório, tendo débitos em execução, terá o pagamento do precatório desmembrado e os valores inscritos em Dívida Ativa serão depositados junto aos respectivos juízos nos quais corram as ações de cobrança.
Uma suposta dívida que ainda esteja em discussão judicial não é um crédito líquido e certo da União. Isso é manifestamente inconstitucional porque uma vez expedido precatório o credor da União tem direito a receber seu crédito de pronto.
Nós temos outras questões ainda a serem definidas no âmbito do próprio Congresso Nacional, como a questão da fixação de um teto que seja observado anualmente para os novos precatórios apresentados, o que também me parece inconstitucional. Estou falando da minha posição individual, porque não debatemos o tema da associação.
O sr. criticou a reforma tributária proposta pelo governo Bolsonaro, porque ela prejudicaria profissionais autônomos. Nós não reconhecemos as propostas que existem atualmente como de efetiva reforma tributária. O que temos são propostas de alterações pontuais da tributação que a nosso ver apenas dizem respeito a uma piora do que se chama da colcha de retalhos do nosso sistema tributário nacional.
O que temos em debate no Congresso Nacional são discussões muito específicas a respeito da tributação no que diz respeito ao PIS Cofins, que seria a sua junção com uma alíquota majorada e um direito de crédito supostamente amplo. Com a majoração da alíquota teríamos um prejuízo enorme a todos os profissionais liberais que não teriam direito de crédito pela sua própria atividade.
O que precisaria mudar na proposta? A junção do PIS e da Cofins me parece benéfica, mas sem majoração de alíquota. Uma possibilidade que seria simplíssima seria não só manter a alíquota atual, mas dar ao contribuinte a opção para que ele possa optar, ano a ano, se ele quer aderir a um sistema de apuração cumulativo ou não cumulativo.
Como tributarista, o sr. já se manifestou contra a taxação de grandes fortunas no Brasil. Mantém essa posição? Por qual razão? A taxação de grandes fortunas do Brasil é mal interpretada. Temos problema de saber o que é realmente uma grande fortuna e os projetos apresentados, com o devido respeito, fixam patrimônios que estão longe de ser considerados como grande fortuna.
Esse patrimônio já foi inteiramente tributado ao longo do tempo e muitas vezes são imóveis que continuam sendo tributados anualmente. Desconsideram que a tributação de grandes fortunas foi malsucedida em diversos outros países, porque ela acaba afugentando investimentos e a manutenção do patrimônio naquele país. Nós temos muitos outros problemas e muitas outras deficiências do nosso sistema tributário que precisam ser aperfeiçoadas.
Tendo em vista que a tributação nos moldes atuais onera a parcela mais pobre da população, o que poderia ser feito? Nós temos que privilegiar mecanismos que assegurem uma menor tributação de produtos essenciais da cesta básica e não há dúvida alguma de que nós precisamos sim equalizar esta tributação. A renda da pessoa mais humilde precisa ter a sua relevância mantida. Nós devemos aumentar sim os limites de renda isenta. O trabalhador não pode ser prejudicado pelo efeito inflacionário.
Qual seria uma faixa de isenção justa? Depende de uma série de critérios técnicos. Poderíamos, por exemplo, ter mecanismos para que que a cada período em que a inflação atingisse 10% tivéssemos sim uma revisão e atualização para assegurar que aquelas faixas que foram fixadas como isentas no passado continuassem tendo a mesma representatividade econômica. Isso é o mínimo.
Fonte: Folha de São Paulo