Câmara pode ampliar Refis para grandes empresas e põe Economia em alerta
Versão preliminar do parecer concede descontos e benefícios independentemente da situação financeira do contribuinte
Idiana Tomazelli
Brasília
A equipe do ministro Paulo Guedes (Economia) entrou em alerta diante da possibilidade de a Câmara dos Deputados ampliar de forma significativa o alcance do programa de renegociação de dívidas com a União, o Refis, que está sendo discutido no Congresso.
As mudanças podem favorecer grandes empresas devedoras, com descontos generosos em multas e juros, ainda que elas tenham tido lucro durante a pandemia de Covid-19.
Na versão anterior, aprovada no Senado, o programa concedia os maiores benefícios para companhias que enfrentaram dificuldades na crise.
Um parecer preliminar do relator, deputado André Fufuca (PP-MA), ao qual a Folha teve acesso, já indicava a direção das alterações e disparou a luz amarela no Ministério da Economia.
Nesta quarta-feira (15), o parlamentar apresentou o texto oficial, confirmando mudanças como a redução do valor do pagamento de entrada e a ampliação nas possibilidades de uso de créditos para abater o saldo das dívidas.
Os técnicos da área econômica do governo Jair Bolsonaro (PL) ainda calculam o tamanho da renúncia, que deve ficar na casa dos bilhões. O programa é classificado como \”muito pior\” do que havia sido aprovado no Senado.
Fufuca confirmou, antes da publicação do parecer, que pretendia ampliar o acesso ao programa. O relator ainda questionou o prejuízo apontado por técnicos da área econômica.
\”Como é que você pode alegar que essas empresas vão ter condições de pagar se não for por meio do Refis, das condições que estamos criando? Se ela não pode pagar, consequentemente não vai ter arrecadação, o governo federal não vai receber esse recurso. Então está perdendo o quê?\”, disse Fufuca.
Pela LRF (Lei de Responsabilidade Fiscal), porém, a concessão de descontos ou o uso de créditos de prejuízo fiscal para abater o saldo devedor são considerados renúncias de receitas.
A versão preliminar do parecer dava a todos os contribuintes o mesmo tratamento em termos de benefícios e condições de parcelamento, independentemente da situação financeira.
A equipe econômica era contra esse formato, por privilegiar devedores contumazes, que teriam acesso às mesmas condições dadas a contribuintes mais afetados pela crise.
O parecer protocolado nesta quarta-feira retoma o desenho que confere vantagens diferenciadas conforme o grau das perdas durante a pandemia, ao mesmo tempo em que flexibiliza as condições aprovadas pelo Senado.
\”Queremos democratizar o acesso ao Refis, evitar judicialização futura, entender o cenário atual da pandemia, em que várias empresas estão passando por dificuldades. Qual é a empresa que tem hoje 30% do que deve para pagar de entrada? Então é mais ou menos nessa direção\”, afirmou o relator.
O líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR), disse que ainda busca negociar mudanças no texto do relator. Caso a proposta seja aprovada como está, o Palácio do Planalto vai vetar os pontos que violarem normas de adequação financeira. A votação está prevista para quinta-feira (16).
No texto, Fufuca prevê a possibilidade de renegociar dívidas com a União mediante o pagamento de uma entrada que fica entre 2,5% e 10% do valor devido. O valor pode ser quitado em até dez prestações mensais.
Ainda assim, o valor fica abaixo do aprovado pelo Senado, que ia de 2,5% a 25%, conforme o grau do prejuízo sofrido durante a pandemia. Os senadores também haviam estipulado o pagamento em apenas cinco prestações.
Mesmo no auge da crise, muitas empresas pagaram tributos sem descontos, em dia ou com prazos alargados graças aos diferimentos concedidos pelo governo em 2020 e 2021.
Por isso, o texto negociado com os senadores até permitia que contribuintes sem queda no faturamento ingressassem no Refis, mas mediante o desembolso de um valor maior de entrada (25% da dívida) e com acesso a descontos menos generosos.
O parecer preliminar de Fufuca, previa descontos lineares de 70% em juros e multas e 100% em encargos e honorários advocatícios, mas o deputado voltou atrás e decidiu manter o escalonamento.
Assim, as dívidas terão descontos de 65% a 90% em juros e multas e 75% a 100% em encargos, conforme o grau de prejuízo da empresa durante a crise.
O texto ainda permite a liquidação do saldo remanescente com o uso de créditos tributários obtidos quando há prejuízo fiscal ou base de cálculo negativa da CSLL (Contribuição Social sobre o Lucro Líquido), com limite entre 25% e 50% da dívida
Outro artigo dá condições ainda mais favoráveis de negociação. O dispositivo permite a quitação integral da dívida com os créditos de prejuízo fiscal ou base de cálculo negativa da CSLL, após descontos de 90% em juros e multas e 100% em encargos.
No limite, empresas em boas condições financeiras, mas que tiverem prejuízos fiscais acumulados nos balanços, poderiam usá-los para quitar as dívidas sem desembolsar nenhum centavo.
Antes da divulgação oficial do parecer, Fufuca havia negado que permitiria o uso indiscriminado dos créditos para abater as dívidas.
\”Há um limite para o prejuízo fiscal, tanto na transação [tributária, outra modalidade de negociação] quanto no Refis. Alguns limites serão alterados, mas não vai ser 100%, porque senão a União não vai recolher nada\”, afirmou o relator.
No Ministério da Economia, porém, a interpretação é que essa segunda modalidade abre brecha para que toda a dívida seja quitada com o uso dos créditos, sem necessidade de pagamento em dinheiro.
A possibilidade de uso de créditos de terceiros, isto é, de outras empresas (inclusive inativas), amplia ainda mais a chance de grandes devedores regularizarem sua situação sem desembolsar nada, segundo avaliação de técnicos do governo. A medida também dificulta a fiscalização pela Receita Federal.
A área econômica vê o texto como uma bomba fiscal e classifica o desenho elaborado pela Câmara como o Refis mais agressivo já visto.
No programa de renegociação criado em 2017, também era permitido o uso de créditos de prejuízo fiscal para abater as dívidas, mas havia como contrapartida um porcentual maior de entrada, a ser paga em dinheiro.
A possibilidade de acumular os descontos e o uso de créditos de prejuízo fiscal, por sua vez, era limitada a contribuintes com dívidas inferiores a R$ 15 milhões.
Agora, grandes contribuintes teriam acesso a condições sem precedentes em um programa de renegociação de dívidas com a União. O alcance amplo das medidas tem dificultado até mesmo o trabalho dos técnicos em estimar o tamanho do estrago.
O texto aprovado pelo Senado já era mais benevolente do que pretendia o Ministério da Economia. A proposta original do Refis foi apresentada pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), ainda em 2020.
O argumento é que os efeitos da pandemia deixaram empresas e pessoas físicas em situação de dificuldade, o que requer uma renegociação de dívidas com a União.
Caso a Câmara leve adiante as propostas de alteração, o texto precisará ser votado novamente pelo Senado. Há pressão das empresas interessadas no programa para que o refinanciamento seja implementado logo.
O relator se mostrou otimista com a aprovação rápida nas duas Casas. \”É uma reivindicação nacional\”, disse.
COMO PODE FICAR NA CÂMARA
Opção 1
Mantém as condições de desconto e de uso de créditos de prejuízo fiscal aprovadas no Senado, mas reduz o valor do pagamento inicial
Pagamento de entrada ficaria entre 2,5% e 10% do valor da dívida, de acordo com a queda observada no faturamento entre março e dezembro de 2020
A quitação da entrada seria feita em até dez prestações
Opção 2
Possibilidade de quitação integral da dívida com créditos de prejuízo fiscal
Descontos de 90% em juros e multas e 100% em encargos, independentemente da situação financeira do contribuinte
Fonte: Folha de São Paulo