STF e Congresso adotam cautela com Mendonça, e Planalto aposta em diálogo

Congressistas e magistrados dizem esperar ponderação, mas fala após votação no Senado trouxe receio

Julia Chaib Marianna Holanda Matheus Teixeira

Brasília

Nas horas que sucederam a sabatina de André Mendonça no Senado, integrantes do STF (Supremo Tribunal Federal) e do Congresso comemoraram os gestos de ponderação do ex-ministro da Justiça, mas adotaram cautela a respeito da atuação que ele terá quando estiver na cadeira da principal corte do país.

A expectativa em torno da postura de Mendonça é maior nos mundos político e jurídico não apenas por ser um novo integrante do Supremo, mas pelo fato de ele poder representar o voto de desempate em matérias importantes em um tribunal rachado.

Em outra frente, no Palácio do Planalto, a expectativa é que Mendonça ajude a melhorar o diálogo do governo com o Supremo.

Mendonça era tido como um dos nomes mais ponderados do primeiro escalão de Jair Bolsonaro (PL) quando era titular da AGU (Advocacia Geral da União), mas à frente do Ministério da Justiça se envolveu em polêmicas, vistas como formas de agradar o presidente para ser o segundo indicado ao Supremo.

Durante a sabatina, congressistas e integrantes da corte comemoram o que entenderam ser gestos de ponderação em relação ao perfil \”terrivelmente evangélico\” que o levou a ser escolhido por Bolsonaro.

Historicamente considerado um lava-jatista, o ex-advogado-geral da União se credenciou para a vaga por causa, principalmente, da religião, como disse Bolsonaro antes de indicá-lo.

Aos senadores, porém, ele se autodenominou como garantista, ala do direito que é crítica da Lava Jato, e prometeu que não levará religião em consideração nos julgamentos.

Embora reconheçam que ele fez alguns gestos para conseguir ser aprovado, senadores e ministros do Supremo ouvidos pela Folha em reserva torcem para que a postura do Mendonça equilibrado prevaleça quando ele chegar à corte.

A primeira entrevista depois da aprovação, contudo, causou receio no STF e foi interpretada como uma mudança no tom em relação às afirmações que vinha fazendo quando ainda precisava do aval do Senado.

\”É um passo para um homem, um salto para os evangélicos\”, disse ele, após afirmar que deu \”glória a Deus\” pela vitória na votação.

Outro temor da ala garantista do Supremo é que o presidente da corte, Luiz Fux, aproveite a chegada de Mendonça para ressuscitar pautas ligadas à operação de combate à corrupção.

Os julgamentos sobre o tema costumavam acabar com placar apertado de 6 a 5. A chegada do ex-AGU para a vaga aberta por Marco Aurélio Mello, que se aposentou, pode consolidar uma maioria favorável à operação.

Apesar disso, a aposta de ministros é que Mendonça não fará uma defesa incisiva desses casos logo na chegada.

Isso porque, apesar de não depender mais do Congresso ou dos futuros colegas de STF, ele precisará manter uma mínima coerência com o que disse no período em que ainda buscava apoios para entrar na corte.

Um de seus principais apoiadores, por exemplo, foi o ministro Dias Toffoli, que integra a corrente garantista no Supremo —com uma visão de mais respaldo às alegações de defesa dos réus.

Nesta semana Toffoli e Kassio Nunes Marques intensificaram a busca por votos a favor de Mendonça. Nesta quarta (1º), especialmente, fizeram uma bateria de ligações a senadores na tentativa de angariar apoios.

O temor, no entanto, existe porque Mendonça já defendeu abertamente pautas lava-jatistas. O futuro ministro já se posicionou, por exemplo, a favor da possibilidade de prisão após segunda instância —e um eventual voto dele nesse sentido, caso o assunto volte à pauta, poderia reverter a atual jurisprudência.

O cenário é similar em relação ao entendimento fixado pela corte que retira da Justiça Federal e leva à Justiça Eleitoral a competência para analisar crimes que tenham relação com campanhas políticas.

Um argumento que integrantes da ala garantista do STF tem usado para argumentar que Mendonça não ressuscitaria a operação é que a Lava Jato não é hoje o que já foi um dia. Segundo eles, a operação tem descrédito maior do que já teve, e boa parte dos processos rumorosos já foi julgada.

Somada à posição histórica de Mendonça está o atual momento de Fux. Um dos principais defensores da Lava Jato no Supremo, ele tem acumulado derrotas na corte na área criminal, e a posse de Mendonça pode representar uma mudança no perfil do tribunal.

A felicidade do presidente do STF após Mendonça passar pelo Senado ficou clara na nota emitida logo após a aprovação. \”Manifesto satisfação ímpar pela aprovação de André Mendonça porque sei dos seus méritos para ocupar uma cadeira no STF\”, afirmou.

\”Além disso, em função da atuação na Advocacia-Geral da União, domina os temas e procedimentos da Suprema Corte, que volta a ficar mais forte com sua composição completa. Pretendo dar posse ao novo ministro ainda neste ano\”, disse Fux.

No Congresso, a expectativa é parecida. O presidente da CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), usou o histórico lava-jatista de Mendonça para tentar coletar votos contra o ex-ministro da Justiça.

Daí a necessidade de ele ter se mostrado equilibrado e ponderado na sabatina e nas conversas individuais que teve com senadores.

Fabiano Contarato (Rede-ES), primeiro senador declaradamente gay da história da Casa, disse que Mendonça possivelmente imporá entraves à agenda progressista no Supremo, com uma postura conservadora.

\”Isso, que parece um fato consumado, seria até tolerável, para oxigenar o tribunal com visões de mundo diversas. Resta saber, porém, se além disso também se portará como os outros ‘10% de Bolsonaro’ no tribunal, como disse o presidente um dia desses. Isso seria lamentável\”, disse.

O mandatário afirmou, recentemente, que tem 10% de si na corte, com o ministro Kassio Nunes Marques, indicado por ele no ano passado. Nesta quinta, após a aprovação de Mendonça, Bolsonaro voltou ao tema, dizendo agora que os nomes que indicou à corte representam 20% daquilo que gostaria que fosse decidido e votado.

O senador Nelsinho Trad (PSD-MS), parlamentar considerado de centro, ainda que próximo ao governo, disse acreditar que Mendonça se pautará na corte \”pela defesa da Constituição\”.

Para auxiliares palacianos, a ida de Mendonça para o Supremo pode representar uma forma de melhorar o diálogo com a corte.

Quando ainda atuava no governo Bolsonaro, tanto como AGU quanto como ministro da Justiça, Mendonça trabalhava nos bastidores como interlocutor do presidente —era um dos auxiliares com melhor trânsito no tribunal.

Mesmo que nos últimos meses tenha havido um descanso na crise institucional, a relação de Bolsonaro com os ministros do STF, em especial aqueles que ajudaram Mendonça na indicação, é conhecidamente ruim.


Fonte: Folha de São Paulo

Traduzir »