Presidente do Cade cancela sessão e discussão sobre THC2 fica para outubro
Alexandre Cordeiro alega que não vai julgar só um processo; conselheiros veem tentativa de protelação
Em clima tenso, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) cancelou a sessão ordinária prevista para esta quarta-feira (15/9). Assim, a discussão sobre a tarifa cobrada no setor de portos, conhecida como THC2 e alvo de disputas judiciais e administrativas intermináveis nas duas últimas décadas, ficará para outubro – a próxima sessão está prevista para 6/10.
Em despacho assinado na última segunda-feira (12/9), o presidente do Cade, Alexandre Cordeiro, anunciou que não moveria a máquina pública para julgar somente um processo que estava pautado (embargos de declaração). Segundo dados do órgão, essa é a primeira sessão cancelada desde 25 setembro de 2013.
O cancelamento se justifica por constar em pauta somente um embargo de declaração, não tendo sido incluídos na ordem de julgamentos outros processos distribuídos aos conselheiros relatores. Além disso, embargo de declaração é um tipo processual que independe de inclusão em pauta, podendo ser apresentado em mesa para julgamento”, informou o Cade, em nota.
Conselheiros do órgão, que hoje são oposicionistas a Cordeiro no Tribunal, entenderam que o argumento oficial do presidente não faz sentido e que, na verdade, o cancelamento da sessão teria sido uma tentativa do presidente de “fugir” da discussão envolvendo o THC2 – o que ele nega.
O imbróglio tem como pano de fundo um acordo assinado no meio deste ano: em julho, o Cade firmou um memorando de entendimentos com a Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq).
Na prática, o documento visa alterar o posicionamento do órgão antitruste quando da análise de processos administrativos referentes à cobrança da tarifa portuária, na tentativa de garantir mais segurança jurídica ao setor.
Tradicionalmente, o Cade condena empresas que cobram a THC2 (também conhecida como SSE) – independentemente de existir abuso ou não – sob o argumento de que os serviços de segregação de containers já são abarcados pela cobrança de uma outra tarifa, a THC.
O documento, que foi assinado entre os dois órgãos, passou a prever a possibilidade da cobrança existir, permite uma atuação coordenada entre Cade e Antaq e estabelece que só haveria de fato uma prática anticoncorrencial no caso de abuso na cobrança.
Esse memorando, que foi assinado pelo ex-presidente do Cade, Alexandre Barreto, pelo ex-superintendente-geral e atual presidente, Alexandre Cordeiro, pelo diretor-geral da Antaq, Eduardo Nery e pelo ministro da Infraestrutura, Tarcisio de Freitas, não contou com a anuência dos demais conselheiros do Cade, o que os irritou.
O principal ponto de descontentamento dos conselheiros vai no sentido de que o ex-presidente Barreto usurpou de sua competência ao assinar um documento, em nome da instituição, para influenciar o voto de uma maioria já estabelecida, sem submeter o texto para a análise prévia dos demais integrantes do Tribunal.
Assim, na sessão do dia 1º de setembro, a conselheira Lenisa Rodrigues Prado apresentou um despacho, nos últimos minutos da sessão, questionando a assinatura e o conteúdo do memorando, na tentativa de derrubá-lo.
Na ocasião, Cordeiro disse que não julgaria o despacho da conselheira, pois ele não estaria pautado, e encerrou a sessão. Além de Lenisa, outros três conselheiros se pronunciaram em plenário e sinalizaram que votariam pela derrubada do memorando Cade-Antaq: Paula Azevedo, Sérgio Ravagnani e Luis Braido.
Com a impossibilidade de julgar o caso na última sessão, Lenisa pediu, então, pauta para a inclusão do despacho na sessão desta quarta, que foi cancelada.
Quando o processo voltar a ser discutido, caso os quatro conselheiros sigam a linha apresentada na última sessão, o memorando tende a ser derrubado, já que haveria maioria de quatro votos – o Tribunal do Cade é composto por sete julgadores.
Entretanto, apesar de sua manifestação inicial, o voto de Braido passou a ser uma incógnita entre os membros da autarquia – ele sinalizou, na última sessão, que entendeu ter havido usurpação de competência.
Do ponto de vista jurídico, a Procuradoria-Federal Especializada junto ao Cade (ProCade) se manifestou de forma favorável à conselheira Lenisa. Ao responder uma consulta formulada por ela, o procurador-chefe, Walter Agra, disse que “qualquer ajuste firmado com órgãos ou entidades da administração pública, que possa repercutir na área de competência do Tribunal, deva a esse ser submetido para aprovação [no Tribunal]”.
O JOTA apurou que na tarde da última terça-feira (14/9), o presidente Alexandre Cordeiro sinalizou aos conselheiros em reunião interna que está disposto a buscar uma saída diplomática, como fazer ajustes de redação no memorando, na tentativa de impedir que ele seja derrubado em plenário, evitando mais exposição pública do órgão.
Mesmo assim, ainda há um clima de desconfiança entre os membros do conselho. “Há muita desconfiança de ambos os lados. Portanto, acho que uma negociação frutífera seja difícil”, disse uma fonte que acompanha de perto as discussões e preferiu anonimato.
Temperatura
Conforme relatou o JOTA em julho, o presidente Alexandre Cordeiro enfrentaria – e vem enfrentando – resistência no Tribunal do Cade, tendo em vista seu perfil, que diverge de uma ala do conselho, e as recentes disputas políticas por cargos no órgão.
Em recente entrevista, o JOTA questionou o novo presidente sobre possíveis resistências no Tribunal. Ele respondeu: “Não estou preocupado com a ala A ou B, não vim para compor com nenhuma das duas. Vim para exercer a presidência do Cade. Meu lado é o lado da instituição, da concorrência”.
O nível de tensão no Tribunal do Cade, poucas vezes visto na histórica o órgão, tem preocupado advogados militantes na autarquia. O principal temor na advocacia especializada é no sentido de os antagonismos impactarem julgamentos de grandes fusões e aquisições a serem pautadas em breve, como Localiza-Unidas e a compra da Oi pela Tim, Vivo e Claro.
Guilherme Pimenta – Repórter do JOTA em Brasília,
Fonte: JOTA